spoiler visualizarmediwcre 19/02/2024
Primeiras e últimas vezes
O Primeiro a Morrer no Final é uma obra do mesmo autor de Os Dois Morrem no Final, o queridíssimo Adam Silvera, que possui uma característica muito peculiar e magnífica como escritor por conseguir abordar a morte e o luto em suas histórias de forma tão sensível e humana.
Na obra anterior, conheci os personagens Rufus e Mateo, que vivem em um universo onde as pessoas, através de uma tecnologia, são informadas da sua morte, e que essa, aconteceria de alguma forma nas próximas 24 horas, sendo denominada de ?Central da Morte?. No entanto, pouco é dito sobre ela e como surgiu. O que é respondido no segundo livro, que visa justamente o enfoque na origem da central da morte e seu primeiro ?Terminante? (nomenclatura usada para se referir àquele que recebe a ligação da Central da Morte informando ser seu dia final).
?Só preciso ser uma pessoa presente. Pode ser que eu não esteja aqui no futuro, mas posso viver o aqui e agora.?
Essa é uma resenha muito singular e particular, porque a história significou muito pra mim, e de forma muito pessoal (isso devido ao fato de que comecei a ler antes de minha avó falecer, durante o luto, e depois que consegui passar por ele).
Eu passaria horas falando sobre o quanto eu amo o universo da Central da Morte e ainda assim não seria o suficiente para elucidar o tamanho desse amor que sinto pelo autor em conseguir trazer uma história carregada de tanto amor, em se tratando de uma história com um enredo tão difícil, que lida com: morte e luto.
Lendo, mesmo o primeiro livro, é muito fácil se enxergar questionando em diversos momentos a existência da Central da Morte fora das páginas, e como particularmente lidaríamos com ela. Eu me questionei isso, diversas vezes.
A reflexão que o Adam consegue instigar com a hipótese da Central da Morte é o que torna a leitura tão intensa e envolvente, embora que em diferentes circunstâncias também seja difícil, já que o próprio título sugere que haverá uma morte. A diferença desse segundo livro, é que o Adam, junto com um leque imersivo e quase palpável de personagens cuja personalidade é absolutamente incrível, também nos deu o benefício da dúvida. Isso porquê, diferente de ?Os Dois Morrem no Final? cujo qual o próprio título já da o spoiler de que ambos morrerão no final, esse sugere que haverá um primeiro, e não dá pra saber qual é pelo contexto no qual a história se insere.
A fluidez da leitura gera uma aflição à medida em que percebemos que houve um problema quase nada aprofundado para explicar um déficit na comunicação da Central da Morte com alguns Terminantes, o que gera um suspense pois sabemos que alguém ainda não recebeu a ligação da Central da Morte, e que, podendo receber, a história também poderia caminhar para um final semelhante ao do primeiro livro, mas com o adendo da emoção de não ter certeza sobre qual dos vários personagens poderiam ser.
Esse enredo trouxe uma experiência desafiadora para a leitura, pois na medida em que as coisas acontecem e as interações se intensificam, o desconforto de ter esperança é um fator contundente. Em contrapartida, a esperança também se torna inimiga do leitor, pois acabamos por nos deparar com uma história muito rica de personagens queridos, e inclusive, temos a costura de dois enredos que geram ainda mais familiaridade e o sentimento de que qualquer perda que houver, seja qual for, vai ser intensamente doloroso.
? Atenção: SPOILER! ?
E de fato é. Tá aí uma característica extremamente marcante e impiedosa do autor ao matar nossos personagens queridinhos. Ainda não soube lidar com a forma como Mateo morre no primeiro livro, e também não sei lidar com a forma como Valentino morreu nesse livro. Esse segundo livro é muito mais intenso que o primeiro por causar tantos sentimentos ambíguos. Eu quero que o Valentino viva, mas quero que o Orion receba o coração para viverem juntos, e a vida de Orion depende da morte do Valentino.
?Meu coração oscila, bate duas, dez, cem, mil, um milhão de vezes, e, mesmo assim, não caio morto. Na verdade, eu vou viver. Vou viver, viver, viver, viver, viver, viver, viver, viver, viver, viver, viver, viver. Mas primeiro ele tem que morrer.?
Essa ambiguidade é o tempo todo vivenciada pelos personagens principais. Além disso, é visível a abordagem recobrar a temática do livro anterior, além, é claro, da junção dos dois universos em anos diferentes conversando e interagindo entre si, o autor traz, novamente, uma história que fala sobre a vida e a morte e como ambas interagem o tempo todo, aborda a esperança e o amor em simbiose, quase correlatos, e tudo isso através da possibilidade e às vezes, a certeza da morte repentina.
Igualmente ao primeiro livro, Adam sugere assuntos polêmicos como pontos de reflexão, por exemplo: na obra anterior, temos um casal gay protagonista, mas aqui, os pais do Valentino são extremamente religiosos, ao modo que utilizam de suas crenças para condenar o filho. Outros pontos que são abordados e talvez possam ser gatilhos para alguns leitores são violência doméstica, luto, doenças, traumas... E, ainda assim, o autor conseguiu demonstrar, com respeito, dignidade e extrema sensibilidade que cada pessoa que passa na nossa vida tem uma história e que essa nem sempre é uma história feliz.
?A sensação de Gloria é de que falhou com Pazito, falhou por não ter lutado com mais força, por não ter ido embora antes, por tê-lo colocado nessa posição de se ver obrigado a protegê-la quando deveria ser ao contrário. Agora Pazito vai passar o resto da vida com medo, assombrado pelo fantasma do pai. Não há palavras capazes de expressar o quanto isso despedaça o coração de Gloria.?
É de se esperar que você chore tanto quanto eu, ou mais, e que se envolva tanto quanto eu, ou mais, pois vivenciamos o luto e as experiências extraordinárias e intensas com os personagens como se fôssemos eles. E poucos autores conseguem fazer isso com tanta maestria quanto Adam Silvera e isso vai, desde os sentimentos dos personagens até os cenários aos quais esses estão inseridos.
?Quem diria que se apaixonar poderia deixar alguém nas nuvens? Mas as pessoas não têm asas, e caminhar pela vida é a única forma de viver. É sem filtro, é pessoal, é real. Gloria se arrepende de não fincar os pés no chão, ainda mais depois de como ela se viu sendo empurrada pelo homem que um dia a levou a alturas inimagináveis.?
Eu sempre recomendarei esse autor e suas histórias, não importa o momento em que estiver vivendo, você vai querer viver, eventualmente, como um de seus personagens, e, eu garanto, essa experiência vai, com certeza, modificar você de forma sútil e respeitosa, tal como me modificou. Pela segunda vez.
?É apenas o começo de muitas outras primeiras vezes que estão por vir. Seguro minhas fotos favoritas de nós dois junto ao peito. Perto do coração dele. Do nosso coração.?