Thalissa.Betineli 25/10/2023
A Mulher em Mim, é mais um desabafo.
Cresci escutando Britney Spears. Me lembro de ganhar o CD In The Zone, e depois disso, minha paixão foi instantânea. Eu devia ter uns sete aninhos de idade, e quando vi Britney, loira, novinha, cantando e dançando, me encantei porque também era loira. Uma parte de mim, criança, sonhou em ser como ela. Devorei o DC até riscá-lo, me lembro até hoje da ordem das músicas, inclusive.
Conforme eu crescia, me distanciei do meu lado fã, mas sempre torci por Britney como mulher, além de sempre escutar suas músicas e acompanhar as notícias. Então, a partir do seu colapso, tutela e liberdade, receber seu relato é algo forte, inimaginável e, que me deixou com um gostinho agridoce.
Sabe o sentimento de que... contou e não contou ao mesmo tempo?
Vamos por parte.
O incrível desse relato é que, apesar de não ter sido escrito (no sentido literal) por Britney, já que houve o envolvimento de ghosts, é nítida a sua voz no livro. É a doçura, a inocência e até mesmo o pecado excessivo da ingenuidade.
A primeira metade do livro para mim foi a melhor, quando ela nos conta como era uma simples garotinha de Louisiana, diante de uma grande oportunidade e em como o estrelato, assim que ela ergueu a voz e se mostrou, foi instantâneo. O duelo entre preservar sua identidade pessoal no sentido do anonimato e ter uma vida comum contra a fama e sucesso, também é muito pertinente. Acredito que famosos do tamanho dela (poucos, não é?) devem ter, em algum momento, sofrido com essa questão. E, Britney, na idade dela, foi algo muito pesado.
Nas entrelinhas dos seus relatos de garotinha em palco, em programas, podemos observar como a indústria da década de oitenta e noventa sex4alizava as mulheres. E crianças! Um ponto muito salientado por ela, é como as perguntas feitas para ela, independemente da ideia, sempre envolviam o corpo, homens e a vida pessoal, nunca seus planos, talento ou carreira. E de fato, quando Britney estourou, a voz e talento ficou em segundo plano.
Esse passado da infância e adolescência, para mim, foi muito bem contado. Cheio de surpresas, envolvendo Justin, envolvendo essa fase dela em se jogar na fama e conhecer tantas pessoas como Madonna e Michael Jackson. É realmente um outro mundo, algo que pouquíssimas pessoas são capazes de experimentar na vida: ser uma estrela assim que se revela diante de um produtor. Britney nasceu desse jeito, e durante a narrativa inicial, se torna inegável.
Toda a relação com Justin é perturbadora. Britney estava vulnerável, e o amor que sentiu por ele era uma dependência emocional em meio a um mundo novo, que a engolia. Quando terminaram, ela simplesmente não teve apoio. Acho que foi aí que ela começou a colapsar. Justin teve o apoio da mídia, tinha uma família estruturada (que até mesmo Britney adorava), tinha amigos, tinha garotas... enquanto Britney não tinha apoio, e se, caso se envolvesse com homens, era vista como... bem, vocês sabem.
Fatos muito importantes da perspectiva dela são contados, dando uma camada a mais em cada momento que está no Youtube, e é muito interessante estar na cabeça dessa mulher nesses momentos.
E então, temos um ponto de virada.
Senti que a partir do momento que Kevin entra na jogada, a narrativa anda em ovos. Ela conta, mas se resguarda. Ela cita, mas deixa na superfície. E, principalmente, você sente que há muito mais que Britney, como deixa claríssimo desde o começo, não vai contar. Porque, tudo o que soubemos dela durante sua vida, foi através das fofocas, ela odeia exposição pessoal, e este livro jamais irá expor o que ela não quer. Portanto, só sabemos o que ela acha necessário. E é aí que existe uma expectativa x realidade, pois, eu, como fã, ansiava também em entender o colapso.
Sim, ela aponta as causas, e é muito bem contado até o momento do VMA. É angustiante o momento dela no palco, e o que suportou nesse tempo, mostra o quanto é forte. Kevin não foi tão exposto, e acredito que tenha sido feito assim por conta dos filhos. Ela nos conta o que já sabemos, as traições, a ausência, as crises, a disputa pela guarda, o surto dela em perder os filhos, mas... o que acontece nos bastidores, isso ficou sem contar.
Adorei saber que se envolveu com outros caras, até mesmo um paparazzi. Olha, meu lado escritora gritou aqui. hahaha
Então, entramos na curatela. E é aí que senti algo nebuloso.
Britney relata o momento em que seu pai sentou com ela e disse que é Britney agora. Temos uma garota fragilizada, e o relato dela a partir desse ponto é um pouco confuso, desesperador e, ouso dizer, ingênuo. É evidente o desespero e até que ponto ela se sacrifica na crença de que, satisfazendo a tutela, poderá ter os filhos. Mas, conforme o tempo vai passando, passei a me perguntar... o por quê ela não pediu ajuda aos namorados? Não teve simplesmente nem um que avisou ela que poderia usar outro advogado? Todo mundo que podia conversar com ela, aceitou deixá-la no escuro? Ela tinha celular (diz isso em um certo momento do livro), e nunca buscou pesquisar nada? Entendam, o que questiono aqui não é ela, mas o que foi relatado. O seu pai, diante do que fez, é um monstro, a tutela, uma prisão. Mas, senti que aqui, não foi exposto tudo, algumas coisas foram suavizadas, e alguns pontos divergem. É como se ela tentou contar o básico do básico do inferno, e assim, deixou lacunas que só poderiam ser preenchidas se, de fato, contasse a podridão. Mas, como a omitiu, ficou buracos que não se fecham.
Esse é o meu ponto.
Suas internações também foram apavorantes, a maneira restritiva da alimentação, dos relacionamentos, de como ela não podia se divertir, e aos trinta anos, ainda parecia ter quinze.
É muito triste como ela sempre precisou dos filhos. Há uma dependência emocional excessivamente desesperadora dela por seus filhos. Ela deixa claro que eles são tudo, e ouso dizer que se falassem para ela se aceitava tudo o que passou, de novo, por eles, ela aceitaria. É triste, pois hoje vemos como eles não têm noção da mãe que tem, e o que ela passou por eles.
Mas, Britney é incapaz de falar algo deles. São anjos dentro do livro, são tudo. É o universo dela. E confesso que me frustrou um pouco em como ela (ou como quis ser retratada) é ingênua. Ela tem uma necessidade perturbadora de ser boa, de não magoar os outros, de estar na caixinha de garota boa. E quando tenta se rebelar dessa cobrança, se julga como garota má. Com isso, se torna mais fácil para ela perdoar pessoas que não deveriam ter o seu perdão (como a irmã).
O que me leva a questionar. Britney, de fato, é tão ingênua nesse nível?
Por vezes, durante a narrativa, tive a impressão de que, como perdeu a infância sendo taxada de adulta, ela não cresceu de forma linear, hoje, então, coexistindo a mulher com a garota, e por isso, essa infantilização e inocência ou mesmo tempo que possui rompantes de mulher. Confuso? Mas, para uma garota que aos nove perguntavam a ela sobre homens, que se impôs responsabilidades de mulher aos dez, onze... ela "cresceu muito rápido" e ao mesmo tempo não cresceu. E não noto que houve nem um apoio durante esse período, apenas cobranças.
Fora isso, também noto essa necessidade extrema de aceitação, de bondade, de tantas camadas que me fazem questionar o quão permissiva ela foi durante todos esses anos. Por conta da ingenuidade? É uma questão difícil de entender, porque aqui é mais um desabafo do que autobiografia, essa é a verdade.
Por fim, Sam foi poupado, já que estavam casados quando este livro foi escrito. Gostaria de saber o que aconteceu no divórcio, mas como MUITAS lacunas da vida de Britney, isso é algo que ela escolherá contar ou não. Aqui, neste livro, arrisco dizer que se soubemos 20% da vida dessa mulher, foi muito.
Britney é atemporal. É uma incógnita para mim. O que fica claro é que foi a.bu.sa.d.a de inúmeras maneiras pela indústria, pela tutela, pela família e pelos homens em um geral. Ela nunca precisou de tutela, ela sempre foi sã, o que as pessoas nunca entenderam, é que ela era música, ela é inocente nesse ponto, e que mais do que alguém que a controle, ela precisava de alguém que a apoiasse. Ela é artista, faz arte, respira arte, tem uma mente completamente sonhadora, focada em arte, e que por vezes, vive nesse universo de arte. Ela foi incompreendida em sua dor, o que é uma tristeza.
A minha crítica ao livro não é sobre ela, porque a mulher narra força, dor, luto, desespero, um grito de socorro em meio a uma indústria e família que a come viva. Mas sim, à tradução (lido pelo Kindle) do livro. Não sei, achei mecanizada, robótica, mal feita. E, às expectativas criadas (talvez, erro meu), pois esperei que ela me entregasse a galinha inteira (principalmente da tutela), e só recebi as penas.
A Mulher em Mim é mais um relato de vivência, de superação, de anseios, desespero, sonhos perdidos, um mundo que muitos sonhos, mas que poucos aguentariam. É um relato de como fama, dinheiro e poder, envenenam pessoas, e as mais frágeis, são o banquete daqueles que comem tudo o que vê. A Mulher em Mim é um ótimo relato, mas não é a uma autobiografia completa.
E eu espero que a partir desse ponto, ela possa estar em paz, e continuar a mulher a mulher forte que é, seja vivendo sua vida, seja voltando para a música (que ela deixa claro que não pensa tanto), ou seja bordando, fazendo arte, dançando e vivendo por aí. Ela merece.