Dhiego Morais 12/09/2020As Duas TorresSe me perguntassem há um ano sobre ler O Senhor dos Anéis eu muito provavelmente daria um sorriso nervoso e falaria que não tinha previsão – não vamos por uma meta, não é? –, ou seja, enrolaria como fiz por muitos anos. Mas vejam só como o futuro é imprevisível. Hoje eu digo: como é bom voltar para a Terra-Média!
Em A Sociedade do Anel, acompanhamos Frodo Bolseiro desde o momento em que herda o Um Anel e, auxiliado por Gandalf, Sam, Pippin, Merrin, e Aragorn, até sua chegada em Valfenda, onde a sociedade é oficializada. Frodo se torna o Portador do Anel, enquanto todos os demais, juntos de Boromir, Legolas e Gimli se tornam os Companheiros do Anel.
“A guerra precisa existir enquanto defendemos nossas vidas contra um destruidor que devoraria a todos; mas não amo a espada brilhante por seu gume, nem a flecha por sua rapidez, nem o guerreiro por sua glória. Amo somente aquilo que eles defendem: a cidade dos Homens de Númenor; e queria que ela fosse amada por sua memória, sua antiguidade, sua beleza e sua sabedoria presente. Não temida, exceto do modo como os homens podem temer a dignidade de um homem velho e sábio”.
A busca pela destruição do Um Anel no fogo de Mordor é repleta de perigos. Sauron se fortalece a cada dia que se passa e seus exércitos ganham mais volume no leste. Por outro lado, no oeste, Saruman se revela como traidor da Ordem a que Gandalf também pertence; cego pelo desejo do poder do Um Anel.
Após a queda repentina de Gandalf, o Cinzento nas profundezas das Minas de Moria, em uma batalha terrível contra um poderoso espírito do mundo inferior – um Balrog –, a Sociedade do Anel se enfraquece até o seu rompimento definitivo em Emyn Muil, junto às Cataratas de Rauros. Observamos Frodo e Sam sozinhos, rumando em direção à Montanha da Perdição em Mordor, ao passo que os demais membros da companhia enfrentam um ataque órquico.
Diferente da primeira parte do épico de O Senhor dos Anéis, As Duas Torres se sobressai como um meio essencialmente fluido, de narrativa veloz e que abarca uma série de acontecimentos surpreendentes. Talvez por possuir boa parte dos personagens apresentados na parte anterior, a leitura avança sem muitos entraves, enquanto desenvolve os desdobramentos iminentes da trama, afinal, uma guerra pelo Anel está prestes a irromper na Terra-Média.
Neste volume, Tolkien optou por dividir os pontos de vista da narrativa em dois livros:
— No livro III, o leitor acompanhará a viagem junto do que sobrou da Sociedade do Anel, sob liderança de Aragorn, basicamente. Uma decisão importante deve ser tomada: seguir em busca de Sam e Frodo, que porta o Anel de Poder e os auxiliá-los na terrível jornada ou seguir na direção contrária, no rastro dos Uruk-hai, monstruosidades de Saruman e que levam consigo os jovens Pippin e Merry.
Embora sintamos falta dos hobbits nesse início, toda a jornada é demasiado interessante de se observar junto de Aragorn, Gimli e Legolas. Pouco a pouco percebemos trechos que não foram utilizados na adaptação cinematográfica de Peter Jackson, ou ainda que foram alterados, e isso é extremamente enriquecedor quando falamos da experiência de se ler O Senhor dos Anéis.
— No livro IV, o leitor seguirá os caminhos tortuosos da jornada à Mordor feita por Frodo e seu fiel amigo Samwise. Arrancados de qualquer ajuda do passado, distantes da sabedoria e dos poderes ancestrais de Gandalf ou da proteção de Aragorn, a dupla de heróis deve seguir como pode até o seu destino terrível.
Nessa etapa da história, os fãs de Tolkien reviverão importantes passagens da jornada envolvendo o Um Anel, desde a companhia curiosa de Gollum, até os limites dos Pântanos Mortos, a visão do Portão Negro e de Minas Morgul, as Escadarias de Cirith Ungol e até a toca de Laracna. É dificílimo ler sobre tudo isso e não sentir nostalgia, não sair marcando cada passagem memorável.
Tolkien pode não ser o maior especialista em desenvolvimento profundo das personagens, mas seria injusto não comentar como Frodo e Sam, bem como Aragorn e Gollum crescem durante toda a narrativa. A própria figura de Gandalf atinge um limite ainda mais bem construído e rico no livro III.
Frodo vive constantemente aflito com o peso que carrega envolta do pescoço: o Um Anel parece ciente da proximidade de seu Mestre Obscuro, o que o transforma em um fardo doloroso e difícil de resistir. Paralelamente ao empobrecimento das terras pelas quais eles passam, Frodo também adoece em espírito. Sam é a figura responsável por reerguê-lo a cada momento, protegendo-o e zelando pelo seu patrão e amigo. A amizade entre esses dois personagens é um exemplo do poder de seu amor.
Gollum é o contrapeso disso tudo e claramente tem uma função importante a desempenhar até o final da jornada. Sua obsessão pelo Um Anel é digna de nota; seus diálogos envolvendo não apenas Sam e Frodo, mas seu próprio álter-ego, conduz a momentos icônicos do livro.
“Pois imaginando a guerra, ele desencadeou a guerra, crendo não ter tempo a desperdiçar; pois aquele que dá o primeiro golpe, se o der com força o bastante, pode não precisar golpear mais”.
Saruman é o grande vilão da parte III de As Duas Torres. O próprio título faz referência a Orthanc, a torre monolítica em Isengard, e a Barad-Dûr, a torre maligna de Sauron. Os momentos em que o Mago Branco tem protagonismo, seus diálogos entre a figura que o enfrenta são de arrepiar!
É ainda em As Duas Torres que o leitor mergulhará na floresta de Fangorn, local temido por muitos e lar dos antiguíssimos Ents e Huorns: criaturas meio arvorescas e gigantes. Embora não seja necessário afirmar a todo o momento, são por momentos assim que compreendemos a complexidade e a criatividade do universo criado por J. R. R. Tolkien.
A narrativa da segunda parte do grande épico da Terra-Média consegue ser tão inebriante quanto a anterior, firmando suas bases para uma conclusão magistral. De personagens apaixonantes, diálogos filosóficos e descrições tão vivas quanto o universo de Tolkien, As Duas Torres assegura a genialidade e atesta aos novos leitores os motivos de se manter por tanto tempo como o pilar das histórias de fantasia pós-século XX.
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