Beatriz3345 05/01/2023
vingança, cinismo + reflexão sobre violência de gênero
Quem conhece o trabalho da Bruna não deve se surpreender com a escolha da temática, as desigualdades e violências de gênero (focando-se na experiência de mulheres cis) e sua narrativa direta, crua e ácida, o cinismo e seu humor companheiro.
Sua narrativa é muito consciente da crítica que quer apontar e dos nuances (muitas vezes perdidos nos debates, principalmente em rede sociais, sobre relacionamento abusivo) e perturbações que poderá causar. Há uma consciência também, menos em foco mas sempre presente, no lugar social que sua personagem Ana ocupa enquanto uma mulher cis branca de classe média, meio que veio a fazer parte da "elite ilustrada paulistana", que a suga ao mesmo tempo que também passou a moldar seu repertório de referências: Ana teve recursos financeiros para arquitetar O Plano, tempo e, como ela mesmo aponta, características que não fizeram dela um grande alvo de suspeitas nos lugares pelos quais ela transitava.
Tudo isso é colocado de forma bem transparente, assim como o rancor, ódio e indisposição ao perdão que Ana sente e precisa deixar acontecer, desde a apresentação da capa a toda estética da edição e narração das cenas. Ana não implora pela nossa compaixão, muito menos tenta assumir o papel da "vítima pura", o estereótipo da mulher "que não merecia" os abusos que sofreu pois era boa demais, não problemática, quase despida do direito de errar, de sentir e desejar. Ana arrisca o desejo e se expõe a quem lê enquanto omite daqueles ao seu redor as etapas de seu Plano contra Matheus; e nesse processo ela se permite a própria mudança sem deixar de ser ela mesma, mas tomando o controle sobre as partes de si que ela consegue reunir sem máscaras, novas ou antigas.
Bruna criou uma história ágil, com poucos diálogos, capítulos curtos, com momentos que ressaltam que por mais que tudo que Ana faz pareça absurdo, estamos na verdade cercades de absurdos que são tolerados dia a dia, nos envenenando, tirando de quem é mais vulnerável a paixão pela vida, e o mundo continua rodando como se estivesse em ordem. Ana encontra um propósito e a literatura de Bruna encontrou um caminho para expor as feridas e traumas femininos sem floreios, com uma linguagem que muitas vezes é dura e se aproxima de onde dói, utilizando a literatura para explorar as possibilidades desses sentimentos tão hostis e violentos, mas que veladamente estão no cotidiano. Você não precisa simpatizar com Ana (e razões não vão faltar para critica-la, ela sabe) para compreender a história que ela decidiu contar sobre si mesma, narração permeada por contradições emocionais, conflitos e recortes sociais com questões contemporâneas.
Muito bom, embora, como talvez um ponto fraco, não há muito desenvolvimento para os personagens secundários, mas acredito que isso não era o objetivo e talvez tornasse a narrativa menos dinâmica...