Flávia Menezes 24/11/2022
AQUELE SOBRE A VIDA DO MATTHEW PERRY, NÃO DO CHANDLER BING.
?BRANDON: What about friends? (E os amigos?)
ROGER: Friends? My father says those are the only ones you can´t trust. (Amigos? Meu pai diz que esses são os únicos em que você não pode confiar.)
BRANDON: Do you always listen to him? (Você sempre o ouve?)
ROGER: No. (Não.)?
Eu não costumo começar uma resenha com uma citação, mas essa frase final do 19º episódio de ?Beverly Hills, 90210? (no Brasil, ?Barrados no Baile?), em que Roger Azarian, personagem interpretado por Matthew Perry anos antes de fazer ?Friends?, e mencionada pelo próprio nesta autobiografia, parecia até pressentir o que a vida reservava de boas surpresas para a vida dele.
?Friends, Lovers, and the Big Terrible Thing?, autobiografia de Matthew Perry publicada em novembro deste ano, é um relato corajoso sobre a vida de um ator que quase ficou de fora desse grande sitcom dos anos 1990, ?Friends?, e que para sempre permanecerá gravado em nossas mentes como Chandler Bing, o homem que fazia piadas quando se sentia desconfortável. Algo que os produtores e diretores emprestaram da vida real, do verdadeiro Matty, para compor e dar mais autenticidade ao personagem.
Iniciei essa leitura sem grandes expectativas, e estava mesmo curiosa para ver como ele falaria sobre o papel que ele interpretou na série ?Barrados no Baile?, que, para mim, é um dos melhores episódios da primeira temporada dessa série, além do Roger ser o meu personagem preferido interpretado por esse ator. Mas a verdade é que, logo nas primeiras páginas, eu me deparei com algo muito mais profundo, muito mais intenso, do que meras lembranças do passado e memórias do grande sucesso e fama que ele alcançou ao interpretar o Chandler Bing.
Quando Matthew Perry resolveu falar sobre a sua vida e seus anos de luta contra o alcoolismo e o vício em drogas, ele não teve medo de tirar suas máscaras, e mostrar a verdade de forma nua e crua. Não há nenhuma beleza, nenhum glamour quando ele fala sobre os seus piores momentos em que o vício tomou conta da sua vida. Mas há muita honestidade em cada uma das páginas que ele escreveu, tomando o cuidado para não se esconder na vaidade, e se revelar como um homem frágil, que também tem seus medos e seus muitos fracassos.
Eu sou uma grande fã de autobiografias e biografias, e de fato, esse é um dos gêneros que eu mais gosto de ler. Mas confesso que nunca me senti tão impactada por um relato de vida, como eu me senti lendo essa autobiografia do Matthew Perry. E nem me lembro de ter chorado tanto assim! E não por ele ter revelado muitos dos seus momentos tristes, mas muito mais por pura identificação.
Não tenho os mesmos vícios que ele (graças a Deus!), mas uma coisa que eu aprendi ao longo dos últimos anos, é que todos nós temos os nossos vícios, que é aquilo ao qual recorremos quando algo não vai bem, e buscamos no externo por algo que nos faça sentir melhor. Por exemplo, você pode me dizer que tem vício de comprar livros, ou de qualquer outra compra online. E se olharmos bem, vamos perceber que todo e qualquer vício, seja ele qual for (mesmo os lícitos!), também são tão nocivos quanto os vividos pelo Matthew, porque nos faz dependentes de ilusórios breves momentos de bem-estar. E eu sei bem disso, porque tenho clareza de qual seja o meu.
Então, enquanto eu lia sobre esses sentimentos por trás do vício, aquilo que o fazia buscar na bebida ou nas drogas uma forma de anestesiar esse buraco que ele sentia dentro dele, e que ele não sabia como preencher, eu conseguia, mesmo não compartilhando dos mesmos vícios, entender exatamente o que ele tentava me dizer. Porque assim como ele, muitas vezes eu também já me senti assim em algum momento da minha vida. Então foi muito fácil ter empatia por cada momento de dor, de queda, e até mesmo por aqueles de fraqueza.
Como são longos anos em que o Matthew luta contra os seus vícios, e por incontáveis vezes ele passou por processos de reabilitação, ele também fez muita psicoterapia, e muita dessa dor que ele sente, e que vem desse vazio, desse buraco no peito que ninguém consegue ver, foi analisada e trabalhada. Em alguns momentos, eu confesso que algumas dessas avaliações e conclusões que foram tiradas em momentos de trabalhos psicoterapêuticos, para mim, foram superficiais, e, na abordagem que atualmente me rege, eu consigo ver um pouco além. Mas isso não importa propriamente, porque o caminho que o Matthew descreve da sua tentativa de se manter firme é bem rico, e tem muita coisa curativa que acontece e ele descreve nessas páginas. Mas também revela algumas confusões que poderiam ter sido melhor trabalhadas. A meu ver, é claro!
Matthew Perry nasceu nos Estados Unidos, mas logo em seu primeiro ano de vida, após a separação dos seus pais, foi morar com os avós maternos e a sua mãe no Canadá (aliás, suas histórias de como ele tratava mal o atual primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, são hilárias!), e por lá ele ficou até a sua adolescência, momento em que decidiu que era hora de voltar para os Estados Unidos, e viver com o pai na Califórnia.
Nesse momento é que sua vida se transformou, e ele deixou de lado o sonho de se tornar um grande tenista, esporte para o qual ele se dedicava com bastante afinco, para seguir os passos do pai e se tornar ator. Algo que ele também buscou com muito afinco, e, de fato, ele tinha muita vocação para artes cênicas, recebendo papéis que logo foram lhe rendendo bons convites, até a grande virada em sua vida acontecer, aos vinte quatro anos, quando ele foi escalado para o papel que marcaria sua vida para sempre.
Mas nem tudo são flores, e foi na adolescência que seu vício pelo álcool começou, e quando ele conta da reação corporal de bem-estar que ele sentia cada vez que se embriagava, Matthew consegue nos levar para além do ato de beber. Ele nos faz ir até onde os vícios nascem, assim como nos permite ver o que ele tanto tentava anestesiar.
Uma das partes mais tocantes e emocionantes desse livro, é quando ele fala sobre o encontro pessoal que ele teve com Deus. E esse momento é ainda mais intenso, porque de fato o Matthew não era nada religioso quando isso aconteceu. Só que quando ele se depara com um momento em que sua vida está em risco, e a dor é tão intensa a ponto de acreditar que não vai mais suportar, é que esse breve instante de cura profunda na alma acontece.
Quando tudo lhe foi tirado, até mesmo a esperança, ele recorreu a Deus e foi atendido. Mas não é sempre assim? Quando tudo nos falta, e ninguém é capaz de nos ajudar, só Deus mesmo para nos socorrer e nos curar, e não somente no corpo, mas também na alma. E o Matthew teve o seu momento com Deus, e o relato que ele fez, da forma como isso se deu, eu já ouvi uma outra pessoa testemunhar algo muito parecido. De em um momento de doença, de dor e muito medo, Deus ter operado a cura da mesma forma que operou no Matthew. E foi isso que mexeu bastante comigo, quando li essa parte da história de vida do Matthew.
Mas tem uma coisa na vida dele, que me fez ter uma identificação ainda mais profunda, e que cada vez que ele falava sobre isso, eu me emocionava ainda mais, porque eu sabia exatamente do que ele estava falando. Porque quando ele fala sobre a sua longa busca pelo amor, pela parceria para a vida toda ao lado de alguém que seria seu lar, sua família, eu me vi em cada uma daquelas palavras que ele usou.
Esse medo que ele sempre teve de amar, pelo simples fato de ter medo de ser abandonado, ou rejeitado por não ser bom ou o bastante para alguém, foi algo que me emocionou muito. Assim como sobre o momento em que ele se deu conta, já aos cinquenta anos, que ele não tinha sido bem-sucedido em construir uma família, que, quando ele ainda era adolescente, achava que um dia, quando ficasse mais velho, ele teria.
Eu chorei com ele lendo sobre cada vez que uma ex-namorada contava que havia se casado, ou que tinha tido filhos. É curioso ver como as pessoas que mais acreditam e procuram pelo amor, são aquelas que menos o encontram. Vai entender?
Essa é uma autobiografia que fala sobre um homem que teve muito sucesso, que rendeu a ele uma grande fortuna. E sucesso e dinheiro esses que vieram de um pedido que ele fez para Deus, e que também foi atendido plenamente. Mas que, ter sido ouvido, atendido, e alcançado grandes coisas assim, não quer dizer que essa pessoa nunca iria sofrer, e passar pelo vale de lágrimas que todo mundo, algum dia, passa. E de lágrimas, disso sem dúvida, o Matthew entende muito bem!
Por mais dores que ele conte, e da solidão profunda que aqui ele fala, eu vi nessa autobiografia uma alma que, assim como todos nós, só quer ser compreendida, e que acima de tudo, quer ser aceita. Do jeito que é. Com todos os seus defeitos e qualidades. Porque infelizmente, nessa vida, não temos apenas qualidades. Somos também muito falhos. E acho que isso, esse lado humano real, é o que mais me encantou nessa autobiografia.
E para finalizar, eu deixo aqui umas das bonitas frases em que Matthew deixou não apenas as suas palavras, mas também o seu coração:
?Mas para a Tricia, e para todas aquelas que vieram depois dela, eu quero dizer muito obrigado. E a todas as mulheres que eu deixei, simplesmente porque eu estava com medo de que elas me deixassem, eu peço desculpas profundamente do fundo do meu coração. Se eu soubesse então, o que eu sei agora...?