Thais645 03/11/2023
Um livro inesquecível
Entre 1 e 1000 há 168 números primos.
Além de saber de cor todos os países do mundo, suas bandeiras e capitais, Christopher Boone, um garoto de 15 anos, sabe dizer quais são todos os números primos até 7507 (não por acaso todos os capítulos do livro são enumerados exclusivamente com números primos).
Christopher tem síndrome de Asperger (uma forma mais branda do espectro autista); é apaixonado por matemática e física, animais, pelo espaço cósmico; odeia as cores amarelo e marrom, não consegue mentir, não gosta de falar com estranhos, de ser tocado, e nos apresenta uma forma extremamente peculiar, intrigante, pragmática e inteligente de enxergar o mundo ao seu redor.
Numa determinada passagem do livro, Christopher nos fala sobre sua paixão por padrões, comparando seu cérebro a "um computador com uma grande memória fotográfica capaz de resolver as mais complexas equações matemáticas", mas também aborda sua própria inaptidão social e inabilidade em lidar com emoções ou pessoas (sentindo-se incapaz, por exemplo, de interpretar as mais simples expressões faciais das pessoas, suas piadas e metáforas).
E é encantador e divertido ler as passagens em que Christopher nos explica o porquê de não gostar de metáforas e piadas. Simplesmente porque Christopher faz uma leitura do mundo de modo metódico, lógico e "ao pé da letra".
Christopher gosta que as coisas fiquem numa ordem perfeita. "E uma maneira das coisas ficarem numa ordem perfeita, é que essa ordem seja lógica", como ele mesmo nos explica.
Em determinando momento, exemplifica: "as pessoas sempre conversam usando metáforas". E cita alguns exemplos: "Tivemos um dia de cão". "O cachorro bateu as botas", e complementa: "acho que isso deveria ser considerado uma mentira porque cachorro não é como um dia e também não usa botas".
Por este motivo, Christopher sabe, como ninguém, o significado da palavra metáfora, explicando que seu próprio nome é uma delas: "significa transportar o Cristo e vem da palavra grega (que significa Jesus Cristo), e nos traz mais algumas observações, contando que sua mãe costumava dizer que "Christopher era um nome bonito porque era uma história sobre uma criatura bondosa e prestativa".
E ele prossegue: "Mas eu não quero que meu nome signifique uma história sobre uma criatura bondosa e prestativa. Eu quero que meu nome signifique EU."
Quando Christopher decide investigar a morte do cãozinho Wellington (morto por um forcado, transpassado pelo corpo), de ser acusado de ser o próprio assassino (pela senhora Shears, vizinha e dona do animal, e também ser repreendido pela polícia local), e de passar uma noite preso, Christopher é aconselhado de modo incisivo e severo por seu pai "a não se meter nos problemas dos outros".
Mas ele então nos lembra que as pessoas criam regras que rompem o tempo todo. Afinal, seu pai, que dirige um negócio em manutenção de aquecedores e de calefação, consertando boilers, "está sempre se metendo nos problemas das pessoas e, consequentemente, sempre as ajudando".
Como grande admirador de Sherlock Holmes e de histórias de detetives, tudo o que Christopher quer é ajudar a descobrir quem foi o assassino (sempre nos lembrando que assassinos devem ser punidos).
E neste momento, e para o bem geral dos moradores locais - e do mundo -, Christopher decide criar e seguir suas próprias regras (e também quebrar algumas delas: ele começa a conversar com estranhos para promover o sucesso de sua investigação, por exemplo).
E nessa peregrinação investigativa, e incentivado por uma de suas professoras, Christopher decide escrever o livro que temos aqui: um livro que não só trata de uma investigação pela morte de um cãozinho poodle ceifado por um forcado de jardim, mas também de uma série de descobertas ao longo dessa maravilhosa jornada que é a vida e a mente extraordinária de Christopher John Francis Boone, tratada com tanta propriedade, delicadeza, acuidade e maestria por seu criador, Mark Haddon.