jota 16/04/2011HADDON HORNBY HARRISO ESTRANHO CASO DO CACHORRO MORTO e outros livros
Antes mesmo que a última década terminasse, o Times publicou (ainda em 2009) uma lista com cem livros que seus editores consideraram os melhores do período. É fácil encontrá-la na internet, mas para quem estiver interessado apenas em saber qual livro ficou colocado em primeiro lugar, posso dizer que foi A Estrada, de Cormac McCarthy, um autor que aprecio bastante. Não li o livro de McCarthy ainda. Apenas vi o filme homônimo (de 2009, direção de John Hillcoat), que é muito bom e recebeu críticas elogiosas da imprensa especializada e também dos espectadores.
Dos cem livros da lista tenho ou li somente 11 deles. E se tivesse de ficar com apenas um dos que li, teria dificuldade de escolher entre A Vida de Pi, de Yannn Martel (7º.) e Reparação, de Ian McEwan (9º. Lugar). Então, resolvi comentar aqui um pouco acerca do livro de Mark Haddon, O Estranho Caso do Cachorro Morto, publicado pela editora Record, e que li em janeiro deste ano. Ocupou o 25º. lugar da lista do The Times, mas vai ficar ainda um bom tempo em minha memória.
As resenhas publicadas sobre o livro de Mark Haddon são as melhores possíveis. O próprio Times diz: “Narrativa brilhante e engenhosa... este livro não é somente um dos romances mais originais dos últimos anos... é também um dos melhores.” Para The Sunday Telegraph, “O estranho caso do cachorro morto é excepcional sob qualquer ponto de vista... Ao olharmos o mundo com os olhos de Christopher, vemos tudo mais claramente e nos compreendemos melhor. O que mais poderíamos esperar de um livro?” Original, bem-escrito e envolvente, o livro ganhou prêmios e já foi traduzido para mais de 32 línguas. Ficou com mais vontade ainda de ler, não é mesmo? Foi o que também aconteceu comigo então.
Mas vamos à sinopse da obra, retirada do site da Livraria Cultura: “Criado entre professores especializados e pais que definitivamente não sabem lidar com suas necessidades especiais, Christopher Boone tem 15 anos e sofre do mal de Asperger, uma forma de autismo. Adora listas, padrões e verdades absolutas. Odeia amarelo e marrom e, acima de tudo, odeia ser tocado por alguém. Christopher nunca foi muito além de seu próprio mundo, não consegue mentir nem entende metáforas ou piadas. É também incapaz de interpretar a mais simples expressão facial de qualquer pessoa. Um dia, Christopher encontra o cachorro da vizinha morto no jardim, é acusado do assassinato e preso. Depois de uma noite na cadeia, decide descobrir quem matou Wellington, o cachorro, e escreve um livro, relatando suas investigações.” (É, na Inglaterra, dependendo do crime que cometerem, as crianças e os adolescentes vão para a cadeia, sim. Mas cadeia na Inglaterra é bem diferente daqui: foi feita para recuperar, não para piorar as pessoas - vide, por exemplo, o ótimo filme Boy A, de 2007, baseado num chocante caso real).
Bem, o livro que Christopher Boone escreve é justamente O estranho caso do cachorro morto e ele acaba descobrindo muito mais do que procurava de início. Pudera! Em suas investigações o menino se inspirara em seu personagem fictício favorito, o impecavelmente lógico Sherlock Holmes. O próprio.
Poucas semanas após a leitura do livro de Mark Haddon, comecei a ler, de Nick Hornby, Frenesi polissilábico, aqui editado pela Rocco. Também inglês, Hornby é conhecido por Alta Fidelidade (livro e filme) e outros títulos. Em Frenesi Polissilábico, que não é um romance, mas um livro sobre livros (ou de resenhas, para a revista inglesa The Believer), encontro lá justamente sua crítica sobre O estranho caso do cachorro morto. Nick tem um filho autista, nascido em 1993, e o livro de Haddon interessou-o sobremaneira, apesar de o adolescente não apresentar o mal de Asperger, mas outra forma de autismo. Assim, ele leu o livro com olhos diferentes dos nossos, pega no pé de Haddon com respeito a algumas habilidades que um autista não conseguiria desenvolver como Christopher faz, reconhece que a cena em que o garoto se sente perdido no metrô de Londres é perfeitamente plausível - uma das melhores do livro, senão a melhor, aflitiva e ao mesmo tempo engraçada. E Hornby, meio que salvando a pele de Mark Haddon (ou puxando suas orelhas), finalmente conclui que a vida é uma coisa e uma obra literária é outra coisa, mesmo quando baseada (ou inspirada) em fatos ou seres reais e o escritor precisa tomar muito cuidado com isso. Não são exatamente as palavras que Hornby usou, mas algo próximo (passei o livro dele para outra pessoa ler, não está mais comigo).
Falando de parentes, Hornby é cunhado de um grande escritor inglês, Robert Harris, autor de Pompeia, Pátria amada e O Fantasma (que ocupa no 49º. lugar na lista do Times e virou o filme O Escritor Fantasma, direção de Roman Polanski). Evidentemente que todos os livros de Harris são bem avaliados pelo cunhado e sem favor algum: Pompeia ainda está em minha fila de leituras, mas garanto que Pátria amada e O fantasma são muito bons mesmo.
Então ficamos assim: com o livro de Mark Haddon como uma envolvente obra de ficção, e também com Frenesi polissilábico, de Nick Hornby como um guia saboroso de livros que merecem ser lidos - e outros esquecidos, ou postos de lado, como ele fez com alguns que foi obrigado a ler para poder resenhá-los ou teve a leitura indicada por algum amigo (amigo da onça, no caso). Tanto o livro de Haddon quanto o de Hornby (e também os do cunhado Harris) são daqueles que lemos avidamente e depois sentimos quando acabam. Aconteceu comigo e pode acontecer com você também.