NinaeraiosdeSol 02/05/2024
"Onde existir vácuo, a mente o preencherá com avidez"
Comecei a leitura no escuro, sem saber qual era sua sinopse e esperando a narrativa da mesma Aia da obra de 37 anos atrás (O Conto da Aia). Descobri em pouco tempo que esse livro é dividido em três narrativas femininas distintas, nenhuma delas de Offred, mas sim de Agnes, Daisy e Tia Lydia.
As personagens apresentam este mundo distópico sob diferentes perspectivas, Agnes representando a juventude que cresceu em Gilead sem as memórias do passado antecessor à teocracia, Tia Lydia como a fonte dos segredos obscuros dessa sociedade juntamente ao peso de ser uma das fundadoras da mesma e, por fim, Daisy: uma jovem canadense de classe baixa que observa de longe o caos do então país vizinho, por meio de livros de história, aulas, protestos e contatos minímos com membros do governo Gileadiano.
Apesar de ser possível ler "Os Testamentos" sem a leitura prévia de "O Conto da Aia" seria uma perda das conexões e referências que dão tanta riqueza para essa segunda obra. Ainda sim, me pareceram todas as conclusões dos mistérios bem como o final do livro bastante óbvias desde o princípio, apesar dessa obviedade não tirar o prazer da leitura e a complexidade narrativa de Atwood no que tange a diversidade.
A priori, fiquei bastante decepcionada com a perda daquela narrativa pesarosa, límpida e poética, mas conforme a história foi se fazendo me pareceu uma estupidez (talvez porquê seja mesmo) esperar de três novas pessoas, totalmente distintas, possuam uma mesma abordagem acerca da vida. Principalmente considerando que a jornada de uma Aia inclui, ou pior, exclui tantas possibilidades de sentir o mundo. Assim, a sequência de Atwood demonstra sua destreza em clarificar e personificar tão bem suas personagens. Página após página o envolvimento e a compreensão em relação a cada uma ganham mais intensidade, se aprofundam.
Não são histórias soltas, pelo contrário, é uma exata mesma história que é construída e acrescida a partir das óticas de cada uma em relação aos acontecimentos, juntamente com suas impressões e vidas pessoais somadas ao leitor.
Para àqueles que consideraram lento o primeiro livro: há uma grande compensação nesse à medida em que os atos são repletos de ação e a violência é ainda mais plural. A sensação de movimento, como se algo fosse abruptamente mudar sem controle e de maneira contínua, que restou no final do Conto da Aia se estende aqui do início ao fim.
É uma leitura fluida, aprazível e rápida. Recomendo de todo o coração, inclusive e, principalmente, a obra inicial.
Apesar de tudo!: ele perde muito com essa movimentação acelerada, perde as oportunidades de aprofundar o que há de melhor no primeiro: o existencialismo. Os conflitos, os questionamentos e sentimentos desenfreados que possuiam tanta vazão são reduzidos à brevidades e urgência por acontecimentos. Para mim, particularmente, isso tira muito da história, a melancolia quando bem feita acrescenta tremendamente. Fica mais claro com os agradecimentos que é mesmo mais um produto que uma obra de arte (apesar de poder ser ambos).