Craotchky 21/08/2023Memento mori"Em Toraja, durante o período entre a morte e o funeral, o corpo fica em casa. Pode não parecer um choque, até eu contar que esse período pode durar de vários meses a vários anos. Durante esse tempo, a família cuida do corpo e o mumifica, leva comida, troca as roupas e fala com o cadáver."
Com uma proposta super interessante e uma narrativa simpática, Caitlin conduz sua obra com a naturalidade de alguém que já lida há anos com o assunto. Este livro é um passeio pelo planeta, descrevendo os mais diferentes modo de tratar os mortos mundo afora, segundo diferentes concepções culturais. Os judeus e muçulmanos, por exemplo, insistem em enterros naturais (nos quais os corpos não são embalsamados e são enterrados sem caixão e sem jazigos. Basicamente o corpo é enrolado, quando muito, em uma mortalha e enterrado direto na terra).
Caitlin não apenas apresenta e comenta diversos modos que várias culturas empregam para lidar com seus mortos, mas também aborda, ainda que não profundamente, questões culturais que explicam as razões para a adoção deste ou daquele ritual fúnebre. Essa contextualização evita julgamentos superficiais e condenações levianas de certas práticas nada convencionais descritas no livro. Caitlin ainda toca nas questões ambientais acarretadas por algumas das práticas abordadas.
Como Caitlin conhece a indústria em torno da morte, ela também reflete sobre o quanto esse mercado (constituído por funerárias, crematórios, agentes funerários, cemitérios...) define os modelos que entendemos como aceitáveis, sobretudo no ocidente, quanto ao proceder diante do falecimento de alguém. A autora é provocadora ao apresentar iniciativas inovadoras de lidar com a morte, como cremação natural em piras à céu aberto (na cidade de Crestone, no estado do Colorado), e a proposta Urban death Project que propõe a criação de centros de compostagem de corpos em áreas urbanas. Porém, iniciativas como essas esbarram na resistência da indústria da morte, pois essas modalidades de tratar dos mortos são mais baratas e muito menos monetizáveis, o que tornaria a indústria, tal como conhecemos hoje, obsoleta.
Caitlin, a partir de sua experiência na área, várias vezes reforça a ideia de que passar um tempo razoável com o corpo do ente querido, e até ter contato com ele participando de seu preparo, exerce um papel fundamental no processo do luto; permite que o enlutado assimile melhor a perda. Nesse sentido, a autora é bastante crítica com os procedimentos mais usados na cultura ocidental, que tende a acelerar os processos como um todo, minimizando nosso contato com nossos mortos. Pessoalmente, ela se diz confortável com a ideia de ser comida por animais, afinal:
"Eu passei os primeiros trinta anos da minha vida devorando animais. Então por que, quando eu morrer, não pode ser a vez deles comigo? Eu não sou um animal?"
CURIOSIDADES:
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"O funeral norte-americano médio custa de 8 mil a 10 mil dólares - sem incluir o jazigo e os custos do cemitério. Um funeral do Crestone End of Life custa 500 dólares..."
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"[os japoneses] têm uma taxa de cremação de 99,9% - a mais alta do mundo."
• Em Sevilha, na Espanha, a taxa de cremação é de 80% porque o governo subsidia a cremação, baixando-a a um custo de apenas 60 a 80 euros.
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"Até o começo do século XX, 85% dos norte-americanos ainda morriam em casa."
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"pela primeira vez, em 2017, mais americanos foram cremados do que enterrados."
(p.s. outras coisas que, se você tiver curiosidade, vale a pena pesquisar por conta própria no Google: Rogyapa / Kotsuage / Bios Urn / Fiesta de las Ñatitas / Os mortos de Tana Toraja / Sögen Kato / Dakhma (ou Torre do silêncio) / ruriden columbarium)
(Todos os dados apresentados neste texto foram coletados do livro, portanto estão defasados em alguns anos.)