Dhiego Morais 13/07/2020Para toda a eternidadeO mundo é uma espécie de cubo mágico embaralhado, pois não importa por qual face seja observado, dificilmente se encontrarão duas ou mais idênticas. Cada quadradinho colorido representa um tipo diferente de cultura, um povo único, com seus próprios costumes e sua maneira de levar a vida e de encarar a morte. Os quadradinhos invariavelmente se misturam, se encontram e se desencontram no baile esquisito das voltas e reviravoltas de seus eixos; são, portanto, os fluxos migrantes e o reflexo da globalização, da revolução tecnológica e informática, que nos aproximam e nos chocam corriqueiramente. Em Para toda a eternidade, Caitlin Doughty nos levará por uma volta ao mundo que discutirá como cada cultura lida com a morte e o que ela representa na contemporaneidade, tão multifacetada, para cada aspecto da sociedade.
Para toda a eternidade não é o primeiro livro da autora publicado no Brasil. Há poucos anos, a própria Darkside Books brindou os seus leitores com outra não ficção interessantíssima e intitulada Confissões do Crematório, obra na qual a autora conta sobre diversos momentos de sua vida que culminaram no seu trabalho em um crematório, bem como as mudanças que dali se sucedeu.
Caitlin Doughty é uma especialista no que se refere ao tema morte. Não é surpresa para ninguém como esse assunto é considerado um dos grandes tabus da sociedade contemporânea, principalmente para a brasileira, que ainda lida com certa dificuldade – normalmente embebida em muito pesar, é claro – com um tópico que aflige o coração e aflora os mais dolorosos sentimentos. Infelizmente não somos ensinados a lidar com esse aspecto da vida humana: a perda. Portanto, cada vez que somos obrigados a confrontá-lo, dificilmente saímos vitoriosos.
Em Para toda a eternidade, a autora leva os seus leitores de mãos dadas por uma viagem recheada de aprendizados, a fim de nos apresentar como as diferentes culturas encaram a morte. Caitlin narra tudo de maneira bastante fluida, sob uma ótica de certo modo pessoal, narrando sem floreios as diferenças, os pontos mais interessantes, bem como pontos positivos – aspectos que seriam maravilhosos se fossem repetidos por todos –, além de pontos que no mínimo nos causam estranhamento – talvez certa aversão, vai de cada um.
Por ser um livro da não ficção, é possível que alguns leitores tenham a impressão de que o livro seja desinteressante ou que a narrativa seja truncada, complexa ou a história seja entediante. Devo dizer que isso não ocorre aqui. A autora possui uma escrita deliciosa, sabendo dosar os momentos de informação com comentários bastante descontraídos, muitas vezes engraçados, o que nos aproxima mais do que estamos lendo. É estranho pensar como ela é habilidosa em fazer-nos esquecer do tabu da morte contando justamente sobre tantas óticas culturais sobre esse mesmo tema. É claro que talvez você não se interesse sobre o assunto, mas a chave para ter certeza sobre algo é justamente encarando o desafio. A não ficção funciona da mesma forma que os outros gêneros: encontre algo que lhe chame atenção e então a leitura avançará super bem.
Para toda a eternidade traz o debate sobre como a morte é encarada em diferentes culturas. A viagem se estenderá dos Estados Unidos ao Japão, da Espanha, passando pelo México e enfim pela Bolívia. Cada lugar acompanhado por um guia nativo ou conhecedor dos bravos costumes locais. Os capítulos curtos nos fazem sentir em um verdadeiro mochilão, cujas estadias curtas promovem as mais intensas aventuras.
Li o livro em durante alguns dias, sem pressa alguma de acabar. E acredito que essa seja uma boa maneira de se nutrir da leitura, sem, é claro, se desgastar com o tema.
Um ponto bastante positivo nesta edição foi a presença de diversas ilustrações de Landis Blair, que enriquecem a experiência, tornando-a mais leve e, principalmente, mais clara.
Consideravelmente mais interessante e tão necessário quanto Confissões do Crematório, Para toda a eternidade é uma leitura que promete levar os seus leitores por uma viagem única e cheia de sabedoria. A morte é a nossa última parada, o ponto final em que todos um dia ou outro haverão de descer. Até lá, quanto mais pudermos aprender sobre ela, melhor será para cada um.
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