leiturasdemadu 20/03/2024
Poder feminino: segurança às mulheres e declínio social
Ainda imersa ao teor religioso que o livro contém, eu vos digo: não temam ao início da obra. Por mais informações abrangentes que tenham, por mais numerosos personagens, a história cresce, a narrativa toma uma proporção surpreendente e você não acredita, a cada palavra que folheia, no que está lendo.
?O Poder? é uma bomba! Conhecemos simultaneamente a história de quatro personagens pilares da história: Roxy, uma chefe de tráfico; Margot, prefeita da cidade; Allie, uma menina com problemas profundos com a família; e Tunde, um jornalista. É através deles que o(a) leitor(a) entende que Naomi Alderman promove um enredo desproporcional ao pré-julgamento: nunca antes eu havia lido um livro com tantas informações que me fizessem sentir pertencente à sociedade criada e à cidade descrita com riqueza de detalhes frente aos problemas sociais. Problemas sociais estes que abordam a figura feminina, primeiramente, como a vítima de ações criminosas repugnantes. No entanto, o jogo vira.
No livro, as mulheres sofrem com os estigmas, preconceitos, estereótipos e a estrutura dominante selada pelo machismo, sexismo e misoginia. É o retrato velado do que a massa feminina do século XVIII sobrevive. Entre crimes hediondos ? os mais repugnantes que se pode imaginar, bem como o mercado do tráfico sexual de mulheres ?, vemos uma crise comportamental mundial acontecer. São meninas e mulheres que conhecem em si o poder. Literalmente, elas nascem ou ativam o poder da eletricidade, chamado de ?trama? ou ?poder eletrostático?. Elas percebem que o poder serve para a própria segurança e proteção. Uma cena que retrata a certeza é com as mulheres do país de Moldova, que eram postas em cativeiro e usadas como escravas sexuais. Uma menina que deixava pão velho para elas repassa o poder quando elas pedem pra que ela consiga ?uma luz?. As mulheres testam seus poderes e conseguem escapar.
Mas, a coisa borbulha quente demais. Passa-se a notar que o poder contribui para que outras formas de dominação ? agora, por mulheres ? reconstitua a sociedade. A oprimida passa a ser a opressora. O enredo vibra intenso num ideal de quebra de status quo, mas apresenta uma sociedade que decai, intolerante e vingativa. É muito interessante vermos sobressaltar o poderio feminino, o respeito sendo aos poucos ? e finalmente ? estabelecido, mas questões sugestivas rondam o pensamento crítico do(a) leitor(a): os homens passaram a respeitar mulheres só por medo de serem machucados. E ainda, a sociedade idealizada também se perde descontroladamente frente a falta de gerenciamento social dos governos mundiais, que enxergam-se numa crise difícil, mas que perde cidadãos rotineiramente sem proporcionar soluções urgentes, somente soluções pouco efetivas, como segregar meninas de meninos nas escolas. Paralelamente, um desses governos é envolvido com a venda de produtos ilícitos que circulavam facilmente entre os países. Os produtos agitavam freneticamente ? se é que me entendem ? o poder e a consciência e a trama das meninas e mulheres, aqui já não mais racionalizadas. O resultado: vidas findadas por diversão.
A narrativa é eletrizante, perpassa por profundas histórias muito bem tecidas e toca em diversas críticas. Porém, muito me incomodou a narrativa racista. Por vezes, percorria palavras acompanhadas pelo que Alderman usou como adjetivo: a palavra ?negro? foi muito associada a algo ruim ou espantoso. Mais à frente, ela ainda usa o termo ?branco? também como adjetivo, mas diferentemente do sentido que deu ao primeiro exemplo, sem o mesmo teor depreciativo, mais eufemizado.
De todo modo, o livro, particularmente, bateu sua alta meta ao proporcionar imersão, incrível contexto e dedicação às histórias de cada personagem ? principalmente os principais.