Lucas1429 16/09/2022
Admirável coletivo novo
De entrada, defino esta narrativa de estreia de Sally Rooney como apática. A história, não sua escrita, que acorda à definição de ser o autor testemunho de seu tempo. Rooney, portanto, vai diante do público preterido esmiuçar a juventude transviada, agora ciente da militância de mundo. Tal qual a protagonista, a autora permite-se viver temerária às discussões não mais rotuladas, outrora doces tabus, expoentes da nova geração, como a não-monogamia, política global, capitalismo, racismo, doenças mentais. Seu temor é tranquilizado conforme destrincha a soma desses fatores no corpo de Frances, estudante universitária de 21 anos, moradora de Dublin, austera, reservada, omissa - seu projeto terapêutico. Apesar de não mais uma millennial, a população 81-95, sua criadora o é, e corresponde aos sobreviventes do termo e ao futuro destes.
Ex-namorada da melhor amiga Bobbi, e poetisa de estimação, compete ao tido colapso atual, à decadência do tradicionalismo patriarcal idealizado. Não contempla casamento, mal se vê num novo relacionamento posterior ao da adolescência, sem perspectiva de futuro, que não lhe provém ânimo para nenhum trabalho depois de formada, mantém um estreito desinteresse pelos pais; mais e mais a obra consagra a solidão social, bem sucedida em certos parâmetros na reprodução caricatural da juvenilidade incerta contemporânea. É como se Rooney permitisse que seus personagens ousassem e subjetivamente triunfassem perante imposições antepassadas, porém, sem haverem se encontrado no percurso revolucionário.
Quando Frances conhece Nick, ator e marido de Melissa, uma fotógrafa e ensaísta, que se interessa pela arte das meninas, é como se enfim fosse revelada sua maior característica ao leitor, uma reprodutora de expectativas - ela precisa de Bobbi, sociável, para se inserir ao mínimo da civilização, já com Nick, o desenrolar romântico imprevisto. Sempre à espera de transpor a barreira da incerteza. Mas ambos se confrontam quanto às suas passividades, tamanha afinidade, sempre às catas da ação de um para o outro subentender a mensagem que a sua relação instável, apaixonada e secreta comporá diante da não seriedade do jovem leitor-base de Rooney.
Mas sua teoria é também apontada de imperfeições, injustas, em que considerada trama pacata, esconde a raiz do problema vigente, a candura de se tentar provar a vida como um evento animado nada trivial, são parelhas de acontecimentos que moldam os caracteres das inseguranças dos modelos humanos que agora desafiam a prática sequente de Sally como promissora contista moderna – suas obras seguintes já falaram por si, e pelo visto, mais engrandecedoras que este seu debute. A arte do artista é se superar.