Ana 08/10/2020
Totalmente visceral
"Adorava que ele estivesse assim disponível para mim, quando nossa relação era como um documento de Word que escrevíamos e editávamos juntos, ou uma longa piada interna que ninguém mais podia entender. Gostava de achar que ele era meu colaborador. Gostava de pensar nele acordando no meio da noite e pensando em mim."
Tive de ler Conversas Entre Amigos depois de ler Pessoas Normais, também da Sally Rooney. Frances consegue ser ainda mais delicada e perturbada do que Marianne e Connel. Ela se pune, físico e mentalmente, em todos os capítulos do livro, praticamente, apenas por pensar ou existir. As obras são bem diferentes; Marianne é passiva demais e Frances enfrenta muito as pessoas de sua vida, apesar de depender e exigir muito delas, individualmente. Isso me chamou bastante atenção. Sally conseguiu escrever dois livros completamente diferentes, ainda que ambos sejam apenas retratos de um determinado período da vida dos personagens, sem grandes plots, surpresas e conclusões. E, claro, a escrita ousada e bem diferente segue intacta. Seus enredos, ainda sim, não se assemelham em nada.
Frances me deixou incomodada. A narrativa em primeira pessoa não me agrada tanto, mas, ela consegue ser uma protagonista (e narradora) bem peculiar. Bem normal (?). Seus medos são muito comuns, assim como suas aflições e, principalmente, seus pensamentos. Ela se compara o tempo inteiro. Compete com todas as mulheres no livro. Se prova à todos os homens. Ela crítica uma cultura e uma sociedade (às vezes, até demais), mas ela está total e completamente inserida nisso. Não vou mentir, é um livro complicado. Sentimos e nos identificamos TANTO com a(s) personagem(s) que chega a ser incômodo mesmo. Me parece haver um certo constrangimento, de alguma forma.
É excelente. Ler sobre um relacionamento de quatro pessoas, cada uma bem única e em sua essência, foi bem interessante. Leitura bem válida. O livro tem muitas camadas, desde casamento até abusos psicológicos e sexualidade, por exemplo. Frances é bem excêntrica, mas seu desenvolvimento não poderia se dar de outra forma. Espero que Sally Rooney siga escrevendo dessa forma: íntima e muito fiel ao que é, de fato, existir e viver.
" Pela janela, olhei para a estação. Tinha a impressão de que algo na minha vida havia chegado ao fim, talvez a imagem de mim mesma como pessoa inteira ou normal. Percebi que minha vida seria cheia de sofrimento físico mundano e de que não havia nada de especial nisso. Sofrer não me tornaria especial, e fingir não sofrer não me tornaria especial. Falar disso, ou até escrever sobre isso, não transformaria o sofrimento em algo útil. Nada transformaria."