jmrainho 07/06/2016
Escrita míope
O sucesso do jornalista gaúcho Eduardo Bueno com sua série de livros sobre a história do Brasil, com pesquisa exaustiva e texto leve e preciso, e muito mais que isso, o sucesso comercial, deve ter mexido com o imaginário de muitos colegas da profissão. Como também a onda de biografias de famosos bem escrita por jornalistas. E antes de tudo isso, a obra do jornalista Gaspari, com sua série de 4 volumes bem escritos e bem pesquisados sobre a Ditadura Militar no Brasil. Quem tem tempo ocioso e pode pagar uma equipe de pesquisadores e ghost-writers pode até atingir o objetivo de construir algum tipo de narrativa pseudo histórica da moda. Não sabemos se esse foi o caminho do jornalista Laurentino Gomes, um burocrata da Editora Abril com certa experiência em reportagens em tempos muito, muito lá atrás. Enfim, seu livro mal escrito e preconceituoso com o lugar-comum do português burro e medroso não paga a repercussão do livro na mídia e nas vendas das livrarias. Cheio de contradições, em um momento o autor diz que as tropas de Napoleão chegaram em farrapos em Portugal; em outros, que tomaram rapidamente o país como somente tropas profissionais fariam... E em outros, que os portugueses foram covardes e não ofereceram resistência, choramingando a fuga de seu rei; mais adiante fala da resistência portuguesa que surpreendeu o exército de Napoleão.
“Como historiador, posso dizer que ele não traz nenhuma contribuição às pesquisas historiográficas, e que não passa de um engôdo de venda, em outras palavras”, dispara André Raboni (2007), que continua: “é uma publicação mercenária que visa apenas ganhar dinheiro”. Raboni critica o excesso de uso de fontes pouco confiáveis pelo autor, como a Wikipedia. E ainda os seus traços moralistas, conforme destaca a página 158: “Sob o calor único dos trópicos, imperavam a preguiça e a falta de elegância no modo de se vestir e se comportar.” Raboni comenta que essa foi a impressão do austríaco Emanuel Pohl, médico e botânico, que integrou a Missão Astríaca no Brasil, e que Laurentino reproduz sem o menor cuidado, mantendo a velha visão eurocêntrica da História do Brasil.
Não costumamos ler em livros de história como Napoleão, a rainha Elizabeth, os presidentes americanos defecavam. Isso importa? Para Laurentino, sim. O Rio de Janeiro não era muito diferente nesse sentido das mais finas cortes europeias da época: merda para todo lado. Os nobres defecavam pelos corredores, nos jardins.... A ridicularização da corte portuguesa de D. João VI e sua caricatura como um covarde e porco parece divertir Laurentino e os agora chamados “coxinhas”, classe média ignorante que lê superficialmente e vai com o que manda a mídia, principalmente a mídia social, e seus amigos ricos e burros,
O historiador português Arthur de Lacerda classifica a obra como “um mau livro, pela sua inclinação, pelo seu apelo comercial e pelo amadorismo com que foi concebido” (LACERDA, 2013). E mais: “A sua inclinação é negativista, detratora de Portugal e fomentadora da muito famigerada lusofobia, desprezo e ódio de muitos brasileiros pelo nosso passado colonial e pela nossa origem portuguesa” (LACERDA, 2013).
A transformação do Brasil na época de D. João VI e sua corte no Rio de Janeiro, mostra a visão administrativa do monarca. Não era nenhum idiota como Laurentino quer pincelar, talvez inspirado no bom e cômico filme de Carla Camurati (Carlota Joaquina, princesa do Brasil, 1995)
Como escreveu Napoleão em suas memórias, D. João VI foi o único monarca que o enganou. O único que não foi deposto pela força das tropas francesas. Os erros e acertos do monarca português não é assunto para ser entendido nas linhas mal traçadas do burguês Laurentino. Tem coisa melhor nas prateleiras das bibliotecas e livrarias.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LACERDA, Arthur de. Historiador ataca 1808 e Laurentino Gomes. Site Brasil 247. 2013, Disponível em: < https://www.brasil247.com/pt/247/cultura/125305/Historiador-ataca-'1808'-e-Laurentino-Gomes.htm>. Acesso em: 19 de ago. 2018.
RABONI, André. Sobre o livro 1808 do jornalista Laurentino Gomes. Blog Acerto de Contas. 2007. Disponível em: < http://acertodecontas.blog.br/artigos/sobre-o-livro-1808-do-jornalista-laurentino-gomes>. Acesso em 10 ago. 2018.