Cris 16/10/2010
13 anos que mudaram os rumos do Brasil
O livro “1808 – Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil”, de Laurentino Gomes, paranaense, membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e jornalista renomado, premiado como melhor livro de não-ficção de 2008, tenta desvendar um dos cenários mais inéditos da história do Brasil entrelaçado a história européia do início do século XIX.
“1808” retrata a fuga da família real portuguesa para a colônia, o Brasil, devido às pressões de duas potências da época. De um lado, França, governada por Napoleão Bonaparte, grande conquistador e estrategista, e do outro, a próspera Inglaterra da revolução industrial. Napoleão determinara o Bloqueio Continental contra os ingleses e Portugal se viu num impasse, com ameaças de invasões francesas ou perca de sua mais forte aliada, Inglaterra, que forneceria proteção para a fuga, a última aceita, sob uma variedade de acordos, inclusive o considerado “ponto inicial” para a mudança do Brasil, que foi a abertura dos portos, com vantagem britânica.
Com uma linguagem clara, simples, bem jornalística e irreverente principalmente devido as suas diversas analogias, como a feita logo no início do capítulo (A fuga, p. 31), no qual compara a situação que ocorria em Portugal no momento do “abandono” da família real com uma possível situação atual, facilitando assim a compreensão da história. Laurentino Gomes cumpre seu objetivo de tornar a história mais acessível para os próprios brasileiros, além de fazer um resgate do esquecido período de 13 anos da corte portuguesa no Brasil, de 1808 a 1821, através da investigação de fatos por uma variedade de fontes, algumas menos convencionais, com o fator interessante de que, no fim do livro, há notas e bibliografia bem detalhadas, esclarecendo a veracidade da pesquisa feita por 10 anos.
O livro, dividido em 29 capítulos, demonstra cada momento do episódio da fuga da família real, desde o planejamento às pressas, o cotidiano na nova sede real, a transformação da colônia até o retorno de D. João, além das discussões acerca das influências diretas e indiretas deste episódio, como o histórico da decadência portuguesa, devido, entre outros, ao seu atraso industrial e dependência de suas colônias e a situação de abandono da metrópole portuguesa durante os 13 anos.
A partir da saída de Portugal, todo o cotidiano da família real e de seus acompanhantes na jornada passa a ser muito bem descrito, inclusive após a chegada ao Rio de Janeiro, antiga capital da colônia. Com riqueza de detalhes, apresenta a personalidade e historiografia de seus principais personagens, D. João, príncipe regente e mais tarde rei e sua esposa Carlota Joaquina, expostos em capítulos exclusivos.
Como resultados desta ampla pesquisa, revelam-se histórias e testemunhos das fontes mais irreverentes, como os curiosos registros de um repórter da época chamado Padre Perereca, retratando como os brasileiros viam aquele encontro de dois mundos tão diferentes e também das cartas de um arquivista real português, Luiz Joaquim dos Santos Marrocos, do Brasil ao seu pai em Lisboa a partir de 1811, dando conhecimento sobre o cotidiano da colônia. Conforme a opinião do autor, podemos acompanhar pelo comportamento de Marrocos, sua própria conversão de opiniões em relação ao Brasil destacado no trecho do livro na p. 297: “...Marrocos tornou-se o paradigma do colonizador europeu capturado pelo redemoinho da história no começo do século XIX, que, surpreendido pelos acontecimentos, primeiro tenta reagir a eles. Depois se adapta e se transforma.” , sendo possível verificar o nascimento de um Brasil diferente, pela adaptação que sofreu devido a presença da elite portuguesa, com o choque de culturas ocorrido em 1808.
Assim, após compreendido o livro, pode-se entender a frase “ As pessoas fazem a história, mas raramente se dão conta do que estão fazendo.” de Christopher Lee citada no início deste, funciona como uma das principais mensagens que o autor buscou demonstrar de forma brilhante , que foi o legado positivo, que, ao acaso D. João VI, com suas atitudes medrosas ou não, permitiu que ocorressem transformações aos longo desses 13 anos que mudaram o rumo da colônia portuguesa na América.