Jô 16/04/2024
A personagem de Anna nos demais livros sempre foi descrita como uma mulher que vivia no mundo da lua e não tinha um emprego fixo, de repente viajava pelo mundo e ficava longe da família na Irlanda e voltava novamente de repente.
?Tudo bem, eu sei que elas viviam dizendo que eu era desligada, que eu passeava com as fadas e costumavam gritar ?Alô!? Planeta Terra chamando Anna! Câmbio! E coisas do tipo, mas a verdade é que havia motivos para tal comportamento: obviamente eu não era muito conectada com a realidade. Por que deveria ser?, eu costumava me perguntar, já que a realidade não me parecia um lugar muito agradável. Toda oportunidade que eu tinha de escapar, agarrava. Costumava ler, dormir, me apaixonar e projetar casas mentalmente onde eu tinha um quarto só meu e não precisava dividir nada com Helen. Realmente eu não era uma pessoa nem um pouco prática.? (Págs. 63 e 64)
Mas as coisas começam a mudar um pouco na história de Maggie no livro, Los Angeles, e Anna parece por sua vida nos eixos, para o que a sociedade considera após se manter num emprego decente, seguro e estável. Anna resolve então estudar de vida e ares, então decide ir morar em Nova York com sua melhor amiga Jacquie. Na busca de emprego Anna passa numa entrevista para trabalhar na área de relações públicas de uma marca de produtos de beleza, sendo assistente da vice-presidência na empresa que faz o trabalho de RP para a Candy Grrrl, uma das marcas de cosméticos mais famosa do planeta, o melhor emprego do mundo.
E não por acaso, Anna tinha acesso à uma variedade incrível dos melhores produtos de beleza e cosméticos de graça, que para muitas mulheres seria um sonho, então Anna conseguia agradar à família e amigos não só com alguns produtos da Candy Grrrl mas de várias marcas. Mas poucos sabiam o quanto ela tinha que trabalhar, e não receber os créditos pelas suas ideias, além de ter que se vestir de acordo com a imagem do produto que representava, o que sugeria ser ?roupas de festa? o dia todo e todos os dias.
?Precisava me manter ocupada, trabalhando sem parar, tentando passar impunemente pelos dias. Esse era o caminho.? (Pág. 232)
O fato é que nos deparamos logo de início com Anna na casa dos pais na Irlanda, com vários machucados, joelho, braços, pernas e uma cicatriz enorme em seu rosto. A princípio não fica claro o que aconteceu, mas aos poucos a autora nos revela o acidente de carro que a filha não mais desligada sofreu numa noite em Nova York. Mesmo sofrendo e chorando muito, Anna resolve voltar para a sua vida e seu trabalho, que fizeram a gratidão de não demiti-la.
?Eu não conseguiria suportar o sentimento de pena, porque, se alguém sentisse pena de mim, era sinal de que tudo aquilo realmente tinha acontecido.? (Pág. 139)
Mas nem tudo parece estar da mesma forma, mesmo com a ajuda de sua irmã Rachel (Férias!), Luke e Jacquie, Anna não consegue dar espaço para os amigos e sua única preocupação é encontrar seu marido. Com lembranças do passado, com a perspectiva de Anna conhecemos mais de Aindan e como o relacionamento evoluiu tão rapidamente que em um ano após se conhecerem já estavam com o casamento oficializado e morando num aconchegante apartamento em Manhattan. E só pelas lembranças podemos nos apaixonar por Aindan, pelo que ele fazia por amar Anna, pelo carinho e cuidado, por ser tão engraçado e amaroso.
?Vivia me perguntando se era melhor ter amado e perdido, mas isso era uma pergunta idiota e sem sentido, porque eu não tive escolha.? (Pág. 92)
O fato é que Anna precisa lidar com uma das piores dores que uma pessoa pode enfrentar: a perda, e não é uma simples perda, é o luto ? Já é uma marca registrada da autora de abordar assuntos mais pesados, mas o jeito que esse tema foi abordado é de fazer chorar. ?
?As pessoas dizem que não conseguem lidar com o fato de a morte ser tão definitiva, mas o que me incomodava e arrasava mais é que eu não sabia para onde Aindan tinha ido. Afinal, ele tinha de estar em algum lugar.? (Pág. 226)
E essa busca de Anna por Aindan é muito angustiante, a personagem está em estado de choque, não consegue aceitar a realidade que sua vida tão feliz ao lado do homem que amava se tornou, por isso, ela resolve ir em grupos espíritas e médiuns na intenção de tentar conversar de alguma forma com Aindan.
Mas por mais pesado e triste que o tema é, Marian Keyes com sua genialidade consegue colocar um tom mais leve e muito engraçado à história, a troca de e-mails entre Anna e mamãe Walsh são hilárias, além dos e-mails trocados com Helen e seu novo trabalho como detetive particular. E também durante as reuniões da sessão espírita dão vontade de gargalhar. ?
?Eu adorava tanto ficar dentro da minha mente que estava se tornando cada vez mais difícil lidar com outras pessoas. Bem na hora em que eu pensava coisas adoráveis, sempre aparecia alguém comentando algo. Isso me puxava de volta para a versão que essas pessoas tinham da realidade. A versão na qual Aindan estava morto.? (Pág. 344)
Mas mesmo assim vemos o quanto Anna está sofrendo e tentando de alguma forma continuar sua vida, mesmo que para ela que se sentia apenas como um fantasma e não saberia ser a mesma pessoa após a morte de Aindan. Anna tem momentos de profunda tristeza, raiva, insônia e angústia.
?O tempo era o grande curador de todas as dores, diziam as pessoas. Só que eu não queria me curar, pois isso seria o mesmo que abandoná-lo.? (Pág. 311)
Com algumas reviravoltas sobre o passado de Aindan, o emprego de Anna e um casamento, Tem Alguém Aí? consegue transmitir tantos sentimentos conflitantes ao longo da leitura que é impossível se manter insensível ou fechado ao que a personagem principal está passando. É um livro de superação, de amor e de perdão, um livro que nos faz acreditar que mesmo de algo trágico podemos sim levantar do chão.
?Conhecia aquela conversa fiada de que precisamos de um ano e mais um dia para realmente sabermos, entendermos de verdade, no fundo da alma, que alguém morreu. Precisamos passar um ano inteiro sem a pessoa, a fim de vivenciar cada uma das partes da nossa vida sem ela. No meu caso, por exemplo, eu havia passado o meu aniversário, o aniversário de Aindan, o nosso aniversário de casamento e o aniversário da sua morte. Só quando tudo isso passou e eu percebi que continuava viva é que comecei a entender tudo. ? (Pág. 548)
Eu já falei mas de todos os livros da Marian Keyes esse é o meu preferido, eu adoro a forma com que a autora conduziu a história e pode conectar as personagens nos demais livros, fazendo me apaixonar cada vez mais pela família Walsh. Eu super recomendo essa leitura.