Thiago Barbosa Santos 08/05/2018
Você conhece a África?
Você já leu literatura africana? Algum dia já teve a curiosidade de conhecer um autor do continente? Minha experiência no assunto não é vasta, mas acho que dei o primeiro passo muito bem acertado. Há algum tempo o moçambicano Mia Couto é comentado e reverenciado nas rodas literárias brasileiras, mas apenas no ano passado tive a oportunidade de ler um pouco da obra dele. Comecei por 'Terra Sonâmbula', um livro lindo que mostra a convivência entre um velho e um menino em uma terra devastada pela guerra, um local que parece mesmo vagar sonâmbulo, palco de tamanhas mazelas geradas pelos constantes e intermináveis conflitos. O primeiro impacto com a arte (sim, pura arte em forma de texto) do escritor foi altamente positivo.
Recentemente li um outro livro de Mia Couto, o 'Antes de Nascer o Mundo', e fui igualmente impactado. Além das histórias comoventes, a narrativa é primorosa, carregada de lirismo, a mais autêntica poesia em forma de prosa.
É um livro de pessoas que, desacreditadas do mundo, resolvem fugir. Mas fugir para onde? Como conseguir se livrar de uma vida de amarguras e sofrimento? Silvestre encontrou refúgio em uma terra esquecida na savana de Moçambique, chamada por ele de Jesusalém. Desiludido com a morte da esposa, que faleceu em condições mal explicadas no início do livro, Silvestre se mostra profundamente magoado e simplesmente abre mão de viver...leva os dois filhos (Mwanito e Mtunzi) e o empregado (Zacaria) para esta terra. Lá eles vivem como se o mundo antigo não existisse mais, todos são rebatizados, ganham novos nomes. O único contado deles com o "mundo anterior" é com Tio Aproximado, cunhado de Silvestre, que leva para o grupo constantemente alguns itens básicos de sobrevivência no meio do nada. Aproximado encara o cunhado como uma pessoa louca e vive tentando convencê-lo a retornar para a realidade. Por sua vez, Silvestre é arredio com ele.
A história é narrada por Mwanito, que foi muito pequeno para Jesusalém e não tem nenhuma referência do "outro mundo". Nunca tinha visto uma mulher, por exemplo. O sexo oposto era abominado pelo pai dele. "Tudo umas putas", dizia Silvestre.
A rotina do grupo muda quando Tio Aproximado leva para Jesusalém uma portuguesa que buscava informações sobre o antigo namorado, morto naquelas terras muitos anos antes. Esta foi a primeira mulher com quem Mwanito teve contato. Silvestre tentou de todas as maneiras expulsar a moça, sem sucesso. Um dia, o velho foi picado por uma cobra e precisou de atendimento médico. Foi quando todos conseguiram voltar para o mundo dos vivos, o mundo que era totalmente novo para Mwanito.
Meio que a contragosto, Silvestre volta para o mundo normal. Nesta parte do livro passamos a conhecer mais detalhes da vida pregressa dele. Da traição da mulher, do estupro coletivo que ela sofreu, do desespero que sentiu até cometer o extremo de suicidar-se. Descobrimos que Mtunzi era na verdade filho de Zacaria. Silvestre voltou para o mundo no qual não queria mais viver, e definhou até se tornar praticamente um morto-vivo. É um livro escrito com a tinta da melancolia. Triste e bonito ao mesmo tempo pela poética do texto.