O último voo do flamingo

O último voo do flamingo Mia Couto




Resenhas - O Último Voo do Flamingo


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Tenda dos Livros 05/02/2015

Triste ausência do voo
É a primeira vez que leio algo do escritor moçambicano Mia Couto, estou impressionada com a facilidade que o autor tem de nos conduz a entender e entrar nessa história que perpassa ficção, poesia e críticas embasadas na realidade de um país.
Demorei um pouco pra iniciar essa leitura por acreditar que seria um livro muito difícil, com uma narrativa chata e cansativa. Eu estava certa? Não, não mesmo.
A história de O último voo do flamingo acontece alguns anos depois da conquista da independência de Moçambique, o país ainda vivia crise econômica e social em busca da reorganização e reestruturação. É nesse contexto de pós-guerra que acontecimentos estranhos assombram o vilarejo fictício, Tizangara. O primeiro capítulo me fez rir muito, não imaginava que a história fosse começar com um pênis decepado no meio da estrada. Eis os acontecimentos estranhos: soldados das Nações Unidas explodiam sem nenhum motivo aparente, e as únicas coisas que sobravam eram seus capacetes e seus órgãos sexuais.
Por conta de todo esse mistério, foi enviado à Tizangara o inspetor Massimo Risi, para entender e explicar tais acontecimentos aos seus superiores. Chegando na vila, Massimo é apresentado ao administrador local Estevão Jonas. O administrador trata logo de arranjar um "tradutor" para o estrangeiro, que na verdade nem precisava de tradutor, a pessoa seria muito mais uma espiã do que qualquer coisa, a intenção de Estevão era deixar alguém "de olho" em Massimo.
Para desvendar o mistério das explosões, Massimo passa a ouvir muitos moradores e as suas mais variadas formas de explicações, todas baseadas em suas crenças locais. Para tentar entender, o inspetor mergulhava cada vez mais na cultura e conhecimento daquele povo, só que quanto mais fundo ia, mais perdido ficava. Não fosse o tradutor que o acompanhava para tudo quanto era canto e lhe contava histórias daquele terra, Massimo já teria enlouquecido.

O livro é repleto de personagens ilustres, como a prostituta Ana Deusqueira que fazia os velórios dos pênis falecidos, ou padre Muhando que tinha uma relação tão próxima de Deus a ponto de lhe dá sermão... Cada personagem com sua peculiaridade foi ganhando espaço na narrativa. Mas houve um grande personagem que desde que apareceu, encheu as páginas de sabedoria, filosofia e poesia, esse personagem era o pai do tradutor, Sulplício.
Mia Couto põe a mesa a desgraça e pobreza do povo Moçambicano que vive à margem e ainda governados por corruptos. Mas em contrapartida, nos mostra um povo que ainda luta por suas tradições e que tenta resgatar a todo custo os destroços dos seus antepassados.
A narrativa é em primeira pessoa, feita pelo tradutor e é incrível como vemos o reencontro desse personagem com suas origens, no decorrer da história, ao relembrar seus diálogos com sua mãe (já falecida) e o retorno do seu velho e sábio pai.
Outra coisa que encanta é o lirismo depositado no flamingo, uma ave que simboliza esperança e paz para aquele povo.
Quem protagoniza toda a história é a ausência, daquilo que pertencia aquele lugar, mas que foi levado, ou evaporado, junto com o suor dos escravos e as lágrimas da libertação de um povo que ainda vive preso na triste ausência do voo.
Pra quem procura uma leitura intensa, cheia de humor e requinte crítico, faço mais que uma indicação, leia O último voo do flamingo.

- Daiana Ayalla

site: http://www.tendadoslivros.com.br/2014/09/resenha-livro-o-ultimo-voo-do-flamingo.html
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Robson68 23/03/2024

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Penso que, talvez, esse livro ainda esteja num patamar que, literariamente, ainda não cheguei. Não tenho problema algum com o realismo mágico, contanto que seja palpável de compreensão. Talvez o meu distanciamento da cultura moçambicana faça com que eu me distancie também da forma que Mia Couto trabalha esse realismo, casando diretamente com a cultura local. Segundo livro do clube que montei, confesso que foi um pouco decepcionante e, para além disso, por ser o primeiro livro de Mia Couto, já fico sem saber se irei sentir ânimo em ler outros dele. Porem, há pontos que entendo que devem ser exaltados: a grande defesa da nação, o expurgo que se faz aos ?brancos? que se dizem salvadores e o respeito a cultura local.
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Sandro 13/09/2020

Resolvi ler quase exclusivamente por pressão. Tinha lido A Confissão da Leoa e achado bem fraco. Mas em O Último Vôo do Flamingo me surpreendi positivamente. Ri a beça em toda a primeira metade do livro. Na segunda metade o clima do livro fica assustador, e só então realmente entendi o tema que o autor estava abordando. Terminei a leitura numa sensação de falta de esperança para a África como um todo, e inevitavelmente, também, com o futuro do Brasil. Definitivamente, faz pensar.
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Camila(Aetria) 16/08/2014

Último voo.
Esse foi o primeiro livro de Mia Couto que li, e depois de lido, não sei porque demorei tanto pra pegar um dele. Foi o que resolveu minha ressaca literária de Persuasão, embora esse não tenha me deixado com ressaca, mas sim uma vontade de ler todos os outros dele.

A escrita dele, o ritmo da leitura, tudo compõe um conjunto maravilhosamente escrito. É um livro que dá pra ler em 1 dia, como estava correndo que nem uma desesperada, levei 3 HAHA

"A administratriz de novo se interpôs, deixando invisível o esposo. Falava ajeitando o turbante e sacudindo as longas túnicas. Ermelinda clamava que eram vestes típicas da África. Mas nós éramos africanos, de carne e alma, e jamais havíamos visto tais indumentárias."

O último voo do flamingo, Mia Couto, pg 19

O que achei mais interessante foi quão delicadas e sutis as críticas foram posicionadas no livro, como uma realidade que deveria ser vista por todos, mas que por comodidade a gente releva e deixa passar. As situações políticas onde países ditos de primeiro mundo vão "trazer a paz" para os que estão em situação precária, como isso também se tornou um mercado viável. E a habilidade dele de trazer 500 opções de palavras para um significado, como ocorre quando trata dos órgãos dos soldados explodidos, senti um Guimarães Rosa naquele momento haha

"- Mas pai, esse italiano nos está ajudar.
- A ajudar?
- Ele e os outros. Nos ajudam a construir a paz.
- Nisso se engana. Não é a paz que lhe interessa. Eles se preocupam é com a ordem. O regime desse mundo.
- Ora, pai…
- O problema deles é manter a ordem que lhes faz serem patrões. Essa ordem é uma doença em nossa história."

O último voo do flamingo, Mia Couto, pg 188

É um livro que transpira cultura, transpira história e realidade de uma forma bem humorada e delicada, é quase uma poesia em prosa.

"- Com o devido respeito, Excelências: é se chamássemos Ana Deusqueira?!
- Mas, essa Ana, quem é? - Inquiriu o ministro.
Vozes se cruzaram: como se podia não conhecer a Deusqueira? Ora, ela era prostituta da vila, a mais competente conhecedora dos machos locais."

O último voo do flamingo, Mia Couto, pg 26

Ele consegue misturar as crenças, as lendas, com uma realidade da terra local, e mesmo essa mistura de folclore e "realidade" são feitas de forma tão natural, como deveria ser sempre que analisamos a cultura de qualquer lugar que seja, e não com olhos ocidentais e ditos civilizados.

"O confronto ficou-se por ali. Porque os estrangeiros rodearam a prostituta, fungando da intensidade dos seus aromas. A delegação se interessava: seria zelo, simples curiosidade? E pediram-lhe documentos comprovativos da sua rodagem: curriculum vitae, participação em projetos de desenvolvimento sustentável, trabalho em ligação com a comunidade."

O último voo do flamingo, Mia Couto, pg 29

site: http://www.castelodecartas.com.br/index.php/2014/08/16/ultimo-voo-flamingo-ogs-80/
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Daniel 11/11/2016

Mia Couto e A Arte de Narrar o Inenarrável Africano
Em O Último Voo do Flamingo, Mia Couto, através de uma linguagem bastante poética e que visa apresentar, sem desvendar, os mistérios das histórias africanas, nos revela uma narrativa ambientada em Tizangara, após a guerra de Independência. O governo, tentando desvendar os mistérios das mortes que rondam o pequeno vilarejo, vai aos poucos colocando os participantes em mais mistérios ainda. Mistérios esses que envolvem as lendas e as histórias que são passadas e repassadas através das gerações. Assim, gera-se um conflito entre os habitantes locais, já acostumados às coisas que sempre acontecem de sobrenatural em sua terra; e os forasteiros, estrangeiros enviados à Tizangara para tentar desvendar os mistérios da localidade, que se acentua, quando eles entram em contato. Dessa maneira, Mia Couto constrói uma narrativa sólida, poética e cheia de tipos representativos da cultura moçambicana.
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Potterish 30/11/2012

O voo solo da África
Nos últimos anos, está cada vez mais fácil ter acesso a autores de continentes como a Ásia e a África. Essa troca de experiências faz com que os mundos europeu e americano tenham uma outra visão de sua cultura e história.

Mia Couto é um dos mais notáveis escritores africanos. O moçambicano alcançou reconhecimento mundial por seus romances que buscam uma identidade nacional, mas de uma maneira diferente da que estamos acostumados a entender. Como sempre, a literatura explica por linhas tortas. Confira a resenha de “O último voo do flamingo.”



“O último voo do flamingo”, de Mia Couto


Contar a história da África é sempre um grande desafio. Primeiro, porque as fontes principais sempre foram colonizadores que viam o continente com os olhos do explorador. Mas mesmo os historiadores contemporâneos, que buscam a história pré-colonial, costumam encontrar dificuldades pela falta de documentos escritos. A cultura africana sempre foi marcada pela oralidade. Dessa forma, é imprescindível que os próprios africanos traduzam para o papel o que vivem. O moçambicano Mia Couto é um dos escritores mais notáveis a fazer isso.


Porém, não espere em “O último voo do flamingo” um registro histórico fiel. Para começar, os acontecimentos do livro se sucedem em Tizangara, uma comunidade imaginária de Moçambique. O período é pouco depois da independência (1975) e um grupo de esquerda está no poder vigiado de perto pela ONU. Apesar das inúmeras mortes locais, a Organização só se preocupa quando seus militares começam a aparecer mortos, na verdade, explodidos, sem deixar pistas.

O italiano Massimo Risi é mandando para Tizangara para desvendar o mistério e ganha a companhia de um tradutor, sem nome, que é o narrador do livro. Nesse momento, o leitor espera o começo de uma narrativa de suspense e investigação, como já vimos e lemos diversas vezes. Mas é exatamente nessa parte que somos surpreendidos.

Quanto mais Risi tenta se infiltrar na cultura moçambicana para desvendar os mistérios, mais perdido ele fica diante de personagens misteriosos, das crenças em feitiços e coisas sobrenaturais, de bebidas alucinógenas, e de coisas sem explicação. O leitor pode até sentir uma certa frustração com a resolução do mistério, mas ela atende perfeitamente à proposta de Couto.

Seria muito fácil colocar Risi como narrador, por ele ser o branco que tenta entender a África e criar uma identificação com os leitores estrangeiros. Mas Couto escolheu de forma correta o tradutor, pois ele simboliza exatamente a dificuldade de refazer os significados não só entre idiomas, mas de uma cultura para outra.

“A sabedoria do branco mede-se pela pressa com que responde. Entre nós o mais sábio é aquele que mais demora para responder. Alguns são tão sábios que nunca respondem”, diz a prostituta Ana Deusqueira. Em outra passagem, o pai do tradutor afirma: “O problema deles é manter a ordem que lhes faz serem patrões. Essa ordem é uma doença em nossa história. Antigamente queríamos ser civilizados. Agora queremos ser modernos”.

“O último voo do flamingo” é um manifesto ficcional de identidade de Moçambique, mas que também pode ser entendido como africano em suas devidas proporções. O livro demonstra de forma eficaz como é difícil trazer a África tradicional para o entendimento europeu de história.

Resenhado por Sheila Vieira

225 páginas, Editora Companhia das Letras, 2006.
Publicado originalmente em 2000.


ACESSE: WWW.POTTERISH.COM/RESENHAS
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Andressa 04/01/2010

Grandioso
Um livro que consegue, entre tantas metáforas, explicar e contar a historia de um povo moçambicano, que oprimido pelos brancos tenta a toda maneira pari um pedaço de filho, mesmo que este contenha ossos brancos e que apenas sem eles consigam sonhar livremente. E espera contra todas as possibilidades que aqueles anunciadores da esperanças, os flamingos, voltem para o oriente. “Uma andorinha não faz verão, mas anuncia a primavera.”

Mia Couto o faz, e com uma excelência inexplicável. Pois o livro seleciona o seu público, apenas os que conhecem um pouco da historia desse país poderão entender a grandiosidade do livro e do autor.
“O que não pode florir no momento certo acaba explodindo depois” Dito de Tizangara – A Missão de Inquérito cap. 2
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mura 29/06/2011

Excelente livro do escritor moçambicano Mia Couto. Numa aldeia pós guerra o autor conta, com uma linguagem meio Gabriel Garcia Marques, uma séria de mortes estranhas em soldados das Nações Unidas. durante a elucidação desses crimes podemos nos aprofundar numa realidade de opressão e corrupção vivida pelo povo de Tizangara.

Leitura recomendada.
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Rodrigo 06/01/2016

Um mergulho na África
Numa pequena vila de Moçambique soldados de paz da ONU misteriosamente começam a "explodir", porém não no sentido literal. Um missionário italiano é enviado para investigar os acontecimentos e tenta entender aquela realidade tão diferente da sua. Uma estória muito interessante que desnuda um pouco dos países africanos numa era "pós-colônia", nos levando a uma crítica sobre a real dimensão de suas independências.

O estilo de Mia Couto é bem fluido, muito boa a leitura! A seguir algumas passagens que destaquei:

-A guerra ja chegou outra vez, mãe?
-A guerra nunca partiu, filho. As guerras são como as estações do ano: ficam suspensas, a amadurecer no ódio da gente miúda.

...esses chefes deveriam ser grandes como árvore que dá sombra. Mas têm mais raiz que folha. Tiram muito e dão pouco.

Regressei à minha velha casa, e ali, sob a sombra do tamarindo, me deixei afogar em lembranças. Olhei a imensa copa e pensei: nunca fomos donos do tamarindo. Era o inverso, a árvore é que tinha a casa. Se estendia, soberana, pelo pátio, levantando o chão de cimento. Eu olhava aquele pavimento, assim enrugado pelas raízes, se erguendo em placas, e me parecia um réptil mudando de pele.

Conhece a diferença entre o sábio branco e o sábio preto? A sabedoria do branco mede-se pela pressa com que responde. Entre nós o mais sábio é aquele que mais demora a responder. Alguns são tão sábios que nunca respondem.

Para si, meu filho, para si que estudou em escola, o chão é um papel, tudo se escreve nele. Para nós a terra é uma boca, a alma de um búzio. O tempo é o caracol que enrola essa concha. Encostamos o ouvido nesse búzio e ouvimos o princípio, quando tudo era antigamente.
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Gildo 05/08/2015

Críticas e almas
Fosse uma carta de Pero Vaz de Caminha para descrever a África e teríamos incontáveis detalhes de sua exuberância, diversidade, cores, intensidades. Fosse uma passagem bíblica, talvez fosse descrito o Éden, com seus pecados, incertezas, inícios e fins. Mas é Mia Couto. Então, temos a alma africana.

O Último Voo do Flamingo é uma alegoria sobre os negócios da guerra e a guerra nos negócios, como ele mesmo diz. Num vilarejo de Moçambique, lotado de minas terrestres, soldados da ONU começam a explodir, misteriosamente. Sim, explodir. Sim, misteriosamente. Deles, nada sobra, nem sangue, nem restos mortais. De alguns, fica apenas o órgão genital. A intriga surreal é apenas um ponto de partida para a visita de um italiano ao vilarejo, enviado para investigar os crimes.

Acompanhado por um tradutor local, Massimo começa a conhecer as estranhas crenças do povo, recheadas de histórias sobre feitiços, homens que retiram o esqueleto, flamingos que voam para criar o por do sol, mulheres novas com corpos velhos.

Parece apenas um romance fantástico, mas é uma viagem analítica sobre o relacionamento entre homens e mulheres e também sobre as políticas de exploração e corrupção que correm soltas no continente africano. Mia Couto é soberbo na linguagem, na precisão, na descrição, nos neologismos. Um vocabulário surpreendente, ainda que em Português claro, evidencia que as tradições africanas devem ser contadas de outra maneira, com outra lógica. Interessantíssimo, por exemplo como um ancião do vilarejo descreve um gravador: uma máquina de fotografar a voz. Esse tipo de conceito revela muito falando pouco: a restrição de conhecimento, as referências que se tem e a crença de que aquilo não era necessariamente bom. Rico assim, é um livro que desnuda tudo, com pouca roupa na linguagem.
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Túlio Demian 02/04/2012

Um Voo entre sonhos!
Eis um livro interessante que, como em quase todos os outros livros de Mia, expõe o conflito entre tradição e modernidade. Esse paradigma permeará toda a trama que se passa em Tizangara.
A postura e a incredulidade dos funcionários da ONU acabam por nos atrair para um desfecho cujos indícios será para a dissolução racional das mortes misterioras e seus respectivos esclarecimentos. Porém, o que vemos na cena final, onde o pai do protagonista retira o esqueleto para descansar e dialóga sem a estrutura de sustentação, em seguida a revelação que uma lenda defendida, principalmente por sua mãe, acaba por se manifestar no voo largo e distante do flamingo, é a inversão de que a racionalidade moderna tenta pregar.
Vale a pena cada página neste voo entre sonhos!
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Prênteci 31/07/2013

Mia Couto é o melhor autor moçambicano
Os livros de Mia Couto nos remetem a muitas refexões sobre ética, caráter, opressão dos poderosos, relações de poder, família, amor, perdão, redenção.

Muitos fragmentos de seus textos são dignos de se colocar em quadros... São frases daquelas "pra sempre".

Esse livro, em especial, mexeu muito comigo... Me cativou tanto que um dia quero encontrar Mia Couto na varanda de uma casa na Beira... Quem sabe comermos um bolo e tomarmos um café... E jogar conversa dentro.

Posso afirmar que Mia Couto é um daqueles autores que me inspiram... Um dia serei escritor... E sua influência será notada em meus escritos.
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Universo dos Le 09/10/2013

Desde Terra Sonâmbula que Mia Couto vem contando histórias de uma Moçambique após sua independência. A maioria delas trata de um país absolutamente devastado pelas guerras civis das tribos e dos autoritários e violentos governos que, em meio a corrupção, se usam da fé e da crença da população para se tornarem espécies de novos deuses encarnados. No entanto, não se pode dizer que os livros de Mia Couto sejam trágicos ou tristes, pelo contrário, quem os lê percebe logo de cara a imensa poesia, mágica e esperança na narrativa de suas fábulas. Em O Último Voo do Flamingo (2005) não é diferente.

O livro conta a história de um italiano chamado Massimo Risi que chega na vila de Tizangara para investigar misteriosas explosões de soldados da ONU em operações de paz e, por não dominar a língua, acaba recebendo como companhia o Tradutor de Tinzangara, o narrador da história. Na vila, tanto o narrador quando Risi, ao investigar o caso, entram em contato com histórias de todos os moradores daquele local: a estranha e bela Temporina, com cara de menina e corpo de velha, a prostituta Ana Deusqueira, o vidente Zeca Andorinho, e o pai do narrador, o senhor Sulplício. Ah, e claro, há também o governador local, Estevão Jonas, um corrupto enriquecido que manda e desmanda em todos, sendo quase que um opressor entre os oprimidos, uma vez que segue ordens de seus superiores no exterior.

Algo que se pode destacar de O Último Voo do Flamingo é uma espécie de caráter de humor, ou pinceladas humorísticas na escrita, fato raro em Mia Couto, principalmente quando, ao explodirem, os soldados deixarem apenas uma parte como rastro: o pênis. Em uma cena hilária, Ana Deusqueira, a prostituta, é chamada na frente de todas as autoridades para dizer de quem era aquele pênis no meio da rua, uma vez que ela deveria conhecer, literalmente, todos os membros da vila. No entanto, o que parece ser essa leve história de humor, retorna para o tema de Couto: a exploração da pobreza e da crença dos Moçambicanos. Logo de cara, fica claro para todos, até para Risi que só há essa investigação, pois se tratam de estrangeiros que estão morrendo, fato que não ocorreria caso fossem os negros africanos a estarem explodindo. É como dizem, aqueles homens parece que nasceram por defeito.

Como todos os espaços descritos por Mia Couto, aquela vila também parece vertiginosa, mágica, com seres ainda semi-míticos, sempre sendo levados por espíritos, tradições, histórias e passados longínquos que lhes são contados. Temporina, por exemplo, havia sofrido uma maldição de envelhecer no rosto e ficar jovem de corpo, assim como os corpos dos explodidos que, teriam morrido por fornicar com as moradoras da vila e serem punidos pelos deuses por isso. Esses espaços são colocados como um lugar a se descobrir. Risi é logo perguntado: “Qual vila o senhor está visitando? (…) Aqui temos três vilas com seus respectivos nomes – Tizangara-terra, Tizangara-céu, Tizangara-água.”

Ou seja, a lógica é diferente da nossa composição de país ocidental, europeu, lógico, cartesiano: Mia Couto descreve mundos, por vezes muito pequenos, por vezes gigantes, mas que, sonâmbulos, nunca estão no mesmo lugar, nunca se fixam.

Todos esses temas são tratados pelo autor no discurso contido no fim de seu livro, texto que acho que arremata o que tento dizer:

O Último Voo do Flamingo fala de uma perversa fabricação de ausência – a falta de uma terra toda inteira, um imenso rapto de esperança praticado pela ganância dos poderosos. O avanço desses comedores de nações obriga-nos a nós, escritores, a um crescente empenho moral. Contra a indecência dos que enriquecem à custa de tudo e de todos, contra os que tem as mãos manchadas de sangue, contra a mentira, o crime e o medo, contra tudo isso se deve erguer a palavra dos escritores.

E é isso que o livro almeja, e faz, ao lado de diversas obras do próprio autor que descreve uma Moçambique mágica, criadora, potente, vital para o mundo, um lugar que vale a pena viver e lutar.

site: http://www.universodosleitores.com/2013/10/o-ultimo-voo-do-flamingo-de-mia-couto.html
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