Raquel 26/04/2022O ultimo voo do flamingoSoldados da ONU, enviados para vigiar o processo de paz após anos de guerra civil em Moçambique e ajudar na remoção de minas terrestres, começam a explodir sem uma razão aparente, restando deles apenas o órgão genital. Para investigar o que está acontecendo, é enviado à região o italiano Massimo Risi, inspetor da ONU. Estevão Jonas, o administrador local, em uma demonstração do progresso do lugarejo, oferece ao estrangeiro um tradutor, apesar da fluência dele na língua local. O tradutor, que também é o narrador da história, vai ajudar o italiano a investigar o que aconteceu aos soldados e a entender como funciona essa terra estranha perdida em Moçambique, muito diferente da Europa. Massimo espera encontrar uma explicação racional para reportar à ONU, como as explosões das minas terrestres, mas, conforme ouve os depoimentos dos habitantes locais, novas explicações são trazidas, como o entendimento de que as explosões dos estrangeiros seria uma vingança da própria terra, já que os governantes locais não têm respeitado as tradições e os antepassados, bem como o entendimento de que as explosões seriam fruto de feitiços encomendados por homens locais devido inveja e ciúme dos estrangeiros. (“Eu posso falar e entender. Problema não é a língua. Eu não entendo é este mundo aqui”).
Conheço pouquíssimo da história de Moçambique (foi colônia portuguesa e após a independência em 1975 passou por guerra civil que durou anos), mas entendi que o autor queria falar de questões pertinentes a história e política do país, como o respeito às tradições locais, a interferência estrangeira em assuntos internos de uma nação, a corrupção política, a riqueza da cultura oral, dentre outros. Muitos personagens espelham esses temas em sua constituição: Estevão Jonas, o administrador local, encarna a corrupção e o e o desrespeito pelas tradições locais; Sulplício, o pai do tradutor, simboliza a ancestralidade e o saber da experiência muitas vezes renegado em prol da novidade e da modernização. O livro é uma crítica ao colonialismo e às mazelas sociais e conflitos sócio-políticos em que o pais padece em uma era de globalização econômica, como a falta de recursos e o esquecimento da tradição e memória local.
Achei interessante o uso de muitas palavras que eu acho que não existem (procurei algumas no dicionário), mas que são como formas populares de outras palavras, o que dá um tom de língua regional aos diálogos dos habitantes de Tizangara. No geral gostei, mas num primeiro momento me pareceu sem pé nem cabeça, tive que refletir e pesquisar um pouco pra chegar a muitas das observações que destaquei nessa resenha.