jota 19/10/2012Falar inventado = faliventarCom este livro Mia Couto ganhou, em 2001, um prêmio da Fundação Gulbenkian e no final da edição temos seu discurso de agradecimento que também funciona como explicação da gênese de O Último Voo do Flamingo. Antes dos agradecimentos há um pequeno glossário, muito útil, que auxilia no entendimento de palavras e expressões usadas pelos personagens.
Isso no final. Pois no começo mesmo, logo nas primeiras páginas, meu pensamento foi conduzido para os livros de Gabriel García Marquez, em que o escritor colombiano explora o chamado “realismo fantástico”. Explico: soldados da ONU, integrantes das forças de paz presentes em Moçambique logo após a independência do país, inexplicavelmente começam a explodir, mais precisamente na fictícia localidade de Tizangara (daí a lembrança da Macondo de Cem Anos de Solidão).
Também me lembrei de Efrain Medina Reys, outro escritor colombiano (autor de Técnicas de Masturbação entre Batman e Robin, que não li), crítico de Márquez e adepto do chamado “realismo urbano” que diz numa entrevista de 2004: “Nós que vivemos na Colômbia sabemos que as pessoas aqui não voam pelos ares vítimas de um esconjuro, mas, sim, de uma bomba.” Bombas das FARCs e outras, certo?
Tudo isso para dizer que se você estiver mais para Reyes do que para Márquez, talvez não vá apreciar muito o livro de Mia Couto. Se bem que, na verdade, ele parece combinar as duas posições (fantasia/realidade) quando envereda pela situação política, social e econômica de Moçambique, tecendo críticas aos nacionais e estrangeiros que unicamente pareciam querer explorar o país e seus cidadãos - não sei exatamente como anda Moçambique atualmente, mas o panorama da maioria das nações africanas, com exceção da África do Sul, nunca parece ser muito animador.
Nessa história toda Couto salva a pele de um estrangeiro bem-intencionado, o personagem do soldado italiano Massimo Risi, que vem investigar os estranhos fatos que acontecem em Tizangara. O personagem principal, o narrador, no entanto, é um local, um rapaz negro sem nome, o tradutor que acompanha o italiano da ONU. Ele nos apresenta diversos personagens curiosos, como o padre Muhando, a prostituta Ana Deusqueira, o feiticeiro Zeca Andorinho, etc., e até a metade do livro todos eles e outras coisas mais me pareceram muito interessantes.
Por vezes me senti meio que assim na Sucupira de Odorico Paraguassu, imortal criação de Dias Gomes, pois os personagens moçambicanos de Couto nos brindam (como os baianos de O Bem Amado) com muitos ditos populares e expressões típicas do país – várias delas inventadas pelo próprio autor, no entanto. Ou seriam todas? Um trecho saboroso: "Não sou mau lembrador. Minha única dificuldade é ter de escrever por escrito". E prossegue: "Escrevo, Excelência, quase que por via oral (...)"
Desse modo, eu esperava que qualquer hora alguém fosse dizer “prafrentemente” em vez de “daqui a algum tempo”, etc. Não dizem, claro; dizem outras coisas saborosas, tantas que há até estudos pertinentes acerca e um deles apropriadamente se chama: “Mia Couto ou o falinventar da língua”, por Guilherme D’Oliveira Martins, atual presidente do Centro Nacional de Cultura de Portugal. “Falinventar”, captou?
Mais ou menos depois da metade do livro, a história começa a parecer longa demais – queremos saber o motivo da explosão dos soldados estrangeiros, não? –, as expressões e os ditos que antes pareciam curiosos e até poéticos começam a parecer repetitivos ou forçados e o interesse pela história decai um pouco até os redentores capítulos finais(19, 20 e 21).
Como disse alguém, eu li e achei isso.
Lido entre 14 e 19.10.2012.