Lara Moreira 06/01/2020“Há-de vir um outro flamingo”Nessa releitura tive o prazer de reviver a intensidade dessas metáforas que Mia Couto pinta em seus livros, com um pouco de realismo mágico e crítica social. Li pela primeira vez para um vestibular em 2009 e confesso que não tinha entendido bem o objetivo do livro, mas a leitura já me marcara pela simbologia da natureza e do misticismo. O livro tem um grito forte contra a corrupção, contra a perda de uma identidade fragilizada pela guerra e pela exploração natural - o quanto o país africano sofreu e sofre em decorrência dessas ocupações que visam apenas extrair da terra e de seu povo. Nessa narrativa de uma terra fictícia chamada Tizangara, há explosões de corpos (soldados da ONU), dos quais restam apenas capacetes azuis e o órgão genital como fragmentos, o que gera uma série de investigações para compreender a origem de tal violência, encarada como uma vingança da terra devido à exploração sofrida. Há uma sequência de relatos dos personagens, nos quais cada um têm a sua própria versão da história. Alguns personagens muito interessantes como a Ana Deusqueira, Temporina e o sr. Sulplicio, resgatam a cultura moçambicana e mostram a importância e o respeito as tradições locais. Esse último é responsável pelas melhores reflexões do livro, que são de arrancar lágrimas com a beleza das metáforas. Há uma série de críticas no livro, seja pela colonização às avessas, seja pela exploração apoiada por pessoas da terra, numa ambição econômica absurda que levará esse país a um grande abismo. As passagens filosóficas sobre os flamingos nos faz voar nessa narrativa fantástica sobre esperança e resgate de uma cultura vencida pela guerra.
.
"Assim, visto em voo, dir-se-ia que o céu se vertebrara e a nuvem, adiante, não era senão alma de passarinho. Dir-se-ia mais: que era a própria luz que voava. E o pássaro ia desfolhando, asa em asa, as transparentes páginas do céu. Mais um bater de plumas e, de repente, a todos pareceu que o horizonte se avermelhava. Transitava de azul para tons escuros, roxos e liláceos. Tudo se passando como se um incêndio. Nascia assim, o primeiro poente. Quando o flamingo se extinguiu, a noite se estreou naquela terra."
.
“já acontecera em outras terras da áfrica. Entregara-se o destino dessas nações a ambiciosos que governaram como hienas, pensando apenas em engordar rápido. "
.
” -A guerra ja chegou outra vez, mãe?
-A guerra nunca partiu, filho. As guerras são como as estações do ano: ficam suspensas, a amadurecer no ódio da gente miúda.”
site:
https://www.instagram.com/p/B6-00gLjO2l/