Luana De Martins 26/11/2016
No último romance publicado antes de sua morte, Tolstói constrói uma forte crítica à atuação do judiciário, seus agentes, ao sistema penitenciário, à política econômica, religião e à própria natureza do homem. No que diz respeito ao processo criminal de Maslova, podemos acompanhar todas as falhas que ocorreram desde o julgamento feito às pressas, até aos recursos e pedidos baseados em concessões de favores, reforçando a imagem do patrimonialismo regendo a vida pública que é administrada com base em interesses privados.
Não se restringindo aos elementos do curso principal da história, o autor, através do desenvolvimento do personagem principal, levanta diversos problemas no âmbito criminal como: a negligência nos julgamentos dos crimes e consequente condenação de inocentes por falta de zelo pelos procedimentos e investigações legítimas; o tratamento desumano dos presos, bem como a previsão legal de penas perpétuas, de morte e a trabalhos forçados; a perspectiva das penas como punição e a desproporcionalidade destas, além de inúmeros outros que poderiam ser citados e amplamente debatidos.
Em certos momentos da história, Dimitri questiona sobre a responsabilidade dos crimes. Na marcha para a Sibéria em que alguns presos morrem de insolação, ele se pergunta quem deve responder pelas mortes visto que, no estado em que se encontravam os presos, as mortes não poderiam ser outra coisa que não homicídios, mas ninguém é condenado em razão destes. Em outro ponto, ele reflete sobre a culpa dos condenados por crimes que são produtos do meio negligenciado em que viveram; atualmente no meio jurídico, temos em discussão a teoria da co-culpabilidade que responsabiliza, em partes, o Estado pela omissão em prover os Direitos Fundamentais para crimes cometidos em razão de sua negligência, visando a promoção da justiça social e já é adotada por alguns países.
Dimitri também fica indignado com o evidente contraste entre os estilos de vida das diferentes classes sociais, chegando inclusive a se desfazer de suas próprias terras em nome da justiça social e questionando o direito à propriedade privada. Conjuntamente, a presença dos presos políticos condenados por difundirem ideias revolucionárias remontam a imagem do contexto histórico pré-Revolução Russa pela ascensão das lutas operárias.
Apesar de se tratar de um livro publicado no final do século XIX, “Ressurreição” não traz uma crítica tão desatualizada quanto se pode pensar, há que se questionar a eficácia do nosso sistema penal e o quanto dos princípios constitucionais penais são de fato praticados, uma vez que o Brasil ainda tem que lidar com situações de lotação de presídios, alta taxa de reincidência, além de casos de abuso de autoridade por membros do Poder Judiciário.