Jow 10/08/2011Um misto de fontes filosóficas.“Se pensar bem, no final de todas as contas, é o demônio quem nos leva a Deus.”
Carlos Roberto Sabbi
O homem se sustenta no mote da alegoria religiosa desde os tempos imemoriais. Encarar o mundo como uma gigantesca balança, onde o mais puro maniqueísmo se faz presente foi, e ainda é, uma das formas mais fáceis e concretas de se encarar o equilíbrio do mundo. Ver o bem sempre foi algo um pouco utópico, afinal desde o período medieval a cultura cristã nos ensinou que a bondade deveria ser manifestada de modo humilde, sem uma busca por recompensas e retorno. Conseqüentemente, o mal tomou a forma física, no momento em que grande parte dos atos cometidos pelos homens “desagradavam a Deus”. Assim, a balança maniqueísta pendeu para um lado, e desde então é mais fácil chegar a nossos olhos e ouvidos, a preponderância do mal e a utopia do bem. Sendo assim, tenta-se combater o mal através de um pacto social visando um bem. Temos então, o nosso maior ideal de vida! Algo que foi pensado pelos grandes filósofos do mundo, debatido pelos grandes iluministas e concretizado na forma de um grande monstro, que o grande Thomas Hobbes ilustrou de uma forma poética e fantástica como uma criatura bestiária, chamada de “Leviatã”. Nasce a Sociedade, com seus pensamentos pluralistas, suas leis e regras, e sua grande máquina de transformar o homem numa figura retraída e recalcada. O nosso sonho se tornou um pesadelo, e aquilo que deveria formar pessoas exemplares, se transformou numa máquina capaz de desestruturar todo e qualquer ser humano, o transformando nas piores coisas que uma mente pode conjurar. Deu a humanidade um único poder: A chance de se tornar um demônio.
“O Pacto” de Joe Hill, não é um livro de terror. Trata-se de um livro friamente psicológico, onde o enfoque se torna não o mal propriamente dito, mas o mal que está mascarado dentro do próprio homem. Buscamos desesperadamente resistir as nossas vontades, e como diria Freud, nos tornamos pessoas infelizes, frustradas. O personagem Ig se torna um agente condutor capaz de liberar as pessoas a seu redor de todas as suas vontades adormecidas. Ig não é a personificação do mal, é apenas alguém com a capacidade de enxergar além, alguém que não está sendo dominado pelas regras sociais vigentes, alguém que encontrou nos chifres nascidos em sua cabeça, a grandiosa capacidade de ver tudo que acontece na mente das pessoas ao seu redor, tudo sem o mínimo de pudor e ponderação. Vemos então o ser humano na sua condição mais bruta, onde o sexo, a gula, e todos os prazeres carnais afloram. Todas as regras são quebradas, e só assim pode-se viver num estado de consciência inerte, a mais pura forma na barbárie.
Acompanhamos Ig no momento mais confuso de sua vida, onde depois de ser o maior suspeito de assassinar sua namorada, tudo ao seu redor vai desmoronando aos poucos, até o momento em que ele acorda com chifres e percebe que eles interferem diretamente na vontade de todas as pessoas ao seu redor. A partir daí, vamos acompanhando Ig no seu encontro com as respostas que ele jamais acreditaria, e temos então, o maior conflito desse personagem: Buscar entender o que motiva o ser humano a cometer as maiores atrocidades, sem nenhum motivo aparente. Viajamos com Ig por inúmeros flashbacks tentando entender todos os pontos de sua vida até culminar no assassinato de Merrin. É um livro que exalta qualidades inatas e defeitos mascarados de seus personagens. Um livro que busca através da sua narrativa ligar pontos psicológicos e escondidos das personagens, ligando os pontos escondidos do aterrador assassinato de Merrin, e ainda traz várias críticas ao sistema religioso cristão, dentro de uma lógica nietzscheana. Temos uma obra que dentro do contexto que pretende abordar não um terror físico, mas um terror filosófico/espiritual relacionado à construção do próprio ser humano.
“O Pacto” é um livro muito bom, tem ótimas construções e diálogos, e uma idéia de enfoque fantástica. O livro perde um pouco de sua força bem no meio da história, onde me parece que Joe Hill não sabia muito bem por onde deveria encaminhar a sua história, mas nada que tire o brilho da história que ele se propõe contar. Sendo assim, apenas pelo enredo, pela idéia e pélas ótimas sacadas teológicas de Hill, “O Pacto” merecer ser colocado na lista dos livros que devemos ler.