Miguel 09/09/2013
O Pacto - Uma história sobre a verdade humana.
Ler "O Pacto" é, praticamente, refletir sobre tudo aquilo que há de mais sórdido, repugnante e inconfessável, escondido em cada ser humano. Aquilo que as pessoas não demonstram, que não ousam sequer falar, suas pessoalidades mais ínfimas e obscuras. Aquilo de si que o ser humano torna incognoscível. O mal intrínseco. Violência, promiscuidade, terror, suspense, drama, aflição, reflexões a respeito da vida e, principalmente, verdades... Sem papas na língua, Joe Hill nos joga nesse mundo. E tudo isso, sem pedir desculpas.
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Com uma trama bem melhor construída que a de seus livros anteriores, Joe Hill consegue, mais uma vez, nos trazer uma obra digna de aplausos. Mas só pra quem tem paciência e certo costume com sua forma um tanto quanto peculiar de escrever. Diferentemente de "A Estrada da Noite", onde a história é narrada em um único plano sequência, por assim dizer, Hill optou por narrar a história d'O Pacto fazendo interligações em planos de tempo diferentes. Ora Hill nos põe nos acontecimentos presentes da vida de Ignatius, ora somos jogados nos acontecimentos passados da vida de Ignatius. Indo e voltando, encaixando as histórias até o seu desfecho. E o melhor, tudo isso sem perder, por um momento sequer, o "fio da meada".
"O Pacto", mesmo se tratando de uma ficção com ares fantásticos, é dono de um realismo soberbo, que, no caso, se tornou o maior mérito do livro. Quando falo de "realismo", eu me refiro àquilo que o ser humano representa para si mesmo e para o outro, em suas relações cotidianas, àquilo que eu disse no início dessa resenha. E é com isso Joe Hill toca em feridas que nem todos têm coragem de tocar. É do saber de todos, ou de boa parte, pelo menos, e não é de hoje que, para boa parte dos seres humanos, tal representatividade é dada e regida através da ideia do Bem e do Mal. Onde os erros e acertos de cada um passam a ser administrados por uma espécie de crivo moral-religioso, indo um para cada lado. No ocidente, por exemplo, onde a religião vigente é o cristianismo, o diagrama, coloquemos assim, se dispõe da seguinte forma: Se foi erro/ruim: Diabo; se foi acerto/bom: Deus. Nada é o ser humano, tudo é externo a seus atos, e o julgamento dos mesmos fica por conta daquilo em que creem. E Joe Hill consegue, de forma primorosa, quebrar esse paradigma. E só quem leu esse livro, ou quem ainda pretende ler, saberá do que falo.
Aqui vão dois exemplos:
1 - "Quero dizer. Pense um pouco nisso. Ele [Satanás] e Deus são destinados a lutar um contra o outro. Mas, se Deus odeia o pecado e Satanás pune os pecadores, então não estariam do mesmo lado? Não estariam o juiz e o executor do mesmo lado?"
2 - "Malha vermelha e capa? - A voz dela estava tonta e meio lenta.
- Não é isso que o diabo deveria usar? Como uma roupa de super herói. Sob muitos aspectos, acho que Satanás foi o primeiro super-herói.
- Você não quer dizer supervilão?
- Nããão. Herói, com certeza. Pensa bem. Em sua primeira aventura ele assumiu a forma de cobra para libertar dois prisioneiros mantidos nus numa floresta de Terceiro Mundo por um megalomaníaco todo-poderoso. Ao mesmo tempo, ampliou a dieta deles e fez com que tomassem consciência de sua sexualidade. Pra mim, parece um cruzamento entre o Homem-Animal e um conselheiro amoroso."
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"O Pacto" é um livro feito para refletir, não há dúvidas. É uma ótima pedida para quem gosta de um suspense de qualidade. Com uma leitura forte, o livro é feito quase que estritamente para aqueles que não se arraigam aos preceitos da moral e dos bons costumes, digamos assim. Quiçá as pessoas, depois de o lerem, não assumam novas concepções? Bom... Talvez essa seja uma de suas propostas.
Depois de "A Estrada da Noite" e "O Pacto", encontro-me ainda mais ansioso para sua próxima obra, que, espero, seja ainda melhor que as anteriores.
Livro: O Pacto. Hill, Joe. Sextante, 2010. 320p.
Resenha escrita por: Ericson Miguel, São Luís-MA, 2012.