Coisas de Mineira 31/03/2021
“Com Sangue” (If It Bleeds, 2020) é um dos últimos lançamentos do autor de tantos best-sellers, o norte americano Stephen King. À primeira vista lembramos, que o autor presenteia seus fãs a cada década com um livro recheado com 4 grandes contos. E o da década de 2020, sobretudo, veio com as seguintes noveletas: O Telefone do Sr. Harrigan; A Vida de Chuck; Com Sangue; e Rato. Como não gosto de revelar muito a respeito da narrativa dos contos, vou pincelar para vocês um pouquinho a respeito de cada.
Primeiramente, espero que se animem! Porque foi uma leitura muito boa para mim, mesmo em época de pandemia, gravidez e grande desânimo literário (hehehehe). Para aqueles que tanto evitam as obras do autor por medo, ou insegurança, “Com Sangue” é uma obra diferente, que trata de um terror distinto daqueles que assolam os pesadelos. Entretanto, esteja preparado para sentir um calorzinho no coração, pois King sabe como mexer com todo tipo de sentimento. Vamos lá!
“… a internet era como um cano de água quebrado cuspindo informações em vez de água.”
O TELEFONE DO SR. HARRIGAN
Neste conto, se não estivéssemos lendo sobre as primeiras gerações dos telefones móveis da Apple, o iPhone, poderíamos facilmente crer estar lendo uma das clássicas histórias do autor dos anos 80. O clima é muito aconchegante ao Leitor Fiel. Nos sentimos muito em contato com o “velho” King. E iremos nos deparar com uma “amizade” entre um garoto de 12 anos, o Craig, e um vizinho, o Sr. Harrigan. Entre idas e vindas nesse relacionamento, Craig resolve presentear o Sr. Harrigan com um celular. O velho não é adepto às tecnologias, e primeiramente fica um pouco desconfiado.
Como pensar que poderemos ter um pouco de terror clássico, e assuntos sobrenaturais em um conto com essas características primárias? Pois bem, senhoras e senhores… não podemos subestimar nunca os dons de Stephen King, não é mesmo? O autor declaradamente não gosta de telefones celulares. Admite ter demorado “eras” para utilizar um. E sua crítica mais velada, talvez, possa ser lida no seu romance Celular. Aqui, iremos encarar o que algumas ligações feitas na hora do desespero e da angústia podem ocasionar. Ou não!
“- Isso só prova o que dizem, que nenhum bom gesto passa incólume.”
A VIDA DE CHUCK
Aqui teremos, explico desde já, um relato em 3 momentos diferentes. E poderemos perceber que, ainda assim, elas acabam por compreender gêneros diferentes. Foi o conto que mais me deixou a refletir, uma vez que não é narrado cronologicamente, e precisamos ir juntando as partes para formar um todo ao fim da leitura. Iremos encarar aqui a decadência, o flerte com a morte, os desenvolvimentos durante uma vida, a história de uma infância… King foi pontual!
Então será possível experimentar níveis diferentes de horror nessas 3 narrativas. Desde “o fim do mundo”, bem como casas mal-assombradas. Pelo menos foi o que consegui compreender. Talvez esse tipo de história conte muito com o tipo de interpretação do leitor. Das 3 etapas da vida de Chuck que acompanhamos, a que mais gostei foi quando ele estava na meia-idade. É um momento divertido, que ameniza um pouco da tristeza que já sabemos que virá no fim. Os mais conhecedores de obras que inspiram o Mestre, como Twilight Zone, percebem que “A Vida de Chuck” tem um pouco desse material.
“Eu me contradigo? Pois muito bem, eu me contradigo. Sou amplo, contenho multidões.
~ Walt Whitman”
COM SANGUE
Em “Com Sangue”, o maior conto, e aquele que dá nome ao livro, encontraremos uma querida e já conhecida personagem. Em outras palavras, a protagonista é Holly Gibney. Ela está na trilogia Bill Hodges (Mr. Mercedes, Achados e Perdidos e Último Turno), e em Outsider. Afirmo que é bem interessante você já a conhecer dessas outras aventuras, para aproveitar melhor o que King nos conta aqui. Já sabemos que o autor tem muita estima por essa personagem, ou seja, é sempre um prazer rever Holly superando suas dificuldades e vencendo as barreiras de sua condição.
Aqui, não posso me demorar em minhas descrições para não falar demais… é um conto que necessita da construção pouco a pouco do que você vai lendo. Acontece, depois que a explosão de uma bomba destrói uma escola, Holly começa a ter uns sentimentos de desconfiança a respeito de certa pessoa. Então, a partir daí ela começa uma investigação perigosa, e individual. Tenta não envolver seus colegas da agência Achados e Perdidos, e se guia muito por tudo que aprendeu com Bill Hodges. Ela está novamente perseguindo uma criatura tão desconhecida e horripilante, quanto àquela de Outsider.
“- A gente percebe que pode ter qualquer coisa por aí.”
RATO
Em “Rato” revisitamos um tema que King AMA: vida de escritor! Recorrentemente ele aborda até mesmo vieses de sua própria vida e experiências, explanando através de personagens como Jack Torrance, Michael Noonan ou Paul Sheldon. Então, conheça Drew Larson. Ele é um escritor que poderá nos dar uma boa noção de como não é fácil essa vida de quem cria histórias. Ele é muito bom em escrever contos, e alcançou algum sucesso com certos deles. Porém, por umas 3 vezes, de forma fracassada, tentou escrever um romance, uma novela longa. E as coisas foram para um lado bem desagradável!
O lance aqui é que as falhas em tentar escrever essas histórias maiores, trouxeram com elas, cada vez mais, alguns danos psicológicos a Larson. E assim, enquanto dava uma volta, ele tem um insight maravilhoso: surge a certeza que ele tem um livro praticamente pronto. Finalmente, só é preciso se isolar, e digitá-lo. Essa é sua última chance, sua tentativa desesperada. E para fazer isso funcionar, por outro lado, se dirige para uma casa de veraneio que foi de seu pai. Desagradando sua esposa, por estar longe, fazendo algo que mexe com seu psicológico, sozinho e ainda em meio a promessa de uma tempestade daquelas!
Em conclusão, o ponto chave desse último conto, é que a certo momento, Drew começa a se perder em sua própria escrita. Como resultado, lhe faltam palavras, as palavras certas. Por fim, ele acaba tendo umas alucinações, ou, devido ao isolamento e sua obsessão por terminar a escrita, aquilo possa ter acontecido de verdade! Quem sabe? E aí deixo a seu critério decidir se o final dessa narrativa se sustenta. O que é real, o que não é… Tanto King, quanto eu, vamos deixar para que sua experiência com o conto lhe dê qual a melhor perspectiva.
“Você precisa convidá-los, pensou Drew. Vampiros, Wargs. O diabo com as botas pretas de montaria. Você tem que convidar…”
Dessa forma, com uma edição muito bem-feita, sua capa é a mesma da gringa. Em síntese, a editora Suma mais uma vez não decepciona os fãs de King, com uma obra que não demorou a chegar por aqui, após ser publicada “lá fora”. Em papel pólen, e fonte agradável à vista, sua leitura tem tudo para ser confortável. Quer dizer… confortável até onde o Mestre King deixar ser!
“Nada era eterno, exceto talvez a mente de Deus, e mesmo aos doze anos eu tinha dúvidas sobre isso.”
Por: Carol Nery
Site: www.coisasdemineira.com/com-sangue-stephen-king-resenha/