Euflauzino 19/01/2021Os entraves da escrita
Stephen King pode não ser unanimidade (toda unanimidade é burra já dizia o realista Nelson Rodrigues), pode não ser o melhor escritor do mundo, mas sem dúvida está entre eles. A maneira como ele nos envolve e nos carrega pelas palavras é indescritível.
O trecho abaixo nos mostra o quão antenado King costuma ser com tudo que o cerca (faça uma busca pelo nome Omar Mateen) e explica um pouco do porquê do nome deste livro: Com sangue (Suma, 400 páginas). Jogado todo confete que um fã como eu guarda desde a adolescência, tenho que confessar que este não é o melhor dele, longe disso, sem contar que tenho extrema resistência a seus contos, se bem que estes quatro contos estão mais para noveletas pela quantidade de páginas de cada um.
“Brad disse: "E tem as notícias. Pra cada clipe de mortes ou desastres que o vovô e eu coletamos, há outras centenas. Talvez milhares. O pessoal da imprensa tem uma frase: 'Qualquer notícia com sangue vende'. Isso porque as histórias pelas quais as pessoas mais se interessam são as de notícias ruins. Assassinatos. Explosões. Acidentes de carro. Terremotos. Maremotos. As pessoas gostam dessas coisas e gostam ainda mais quando tem vídeos de celular. Sabe as imagens das câmeras de segurança gravadas dentro da Pulse, quando Omar Mateen ainda estava matando as pessoas? Os vídeos tiveram milhões de visualizações. Milhões".”
Na primeira novela (não chamarei de conto) "O telefone do sr. Harrigan", o garoto Craig consegue seu primeiro trabalho como leitor particular de livros para um bilionário aposentado que foge dos holofotes para viver uma vida simples e sem badalação. Criam uma ligação de forte amizade. Todo antiquado, sr. Harrigan não é afeito a novas tecnologias, apesar disso ganha de presente de Craig um celular. E é através deste aparelho que Craig e o velho ficarão ligados para sempre extrapolando a morte.
Mais uma vez King insere algo fantástico em um universo comum e passa a trabalhar na personalidade de suas personagens. Em poucas palavras consegue dissecar os prazeres e a dores da adolescência.
“Uma semana depois, Kenny Yanko arrumou confusão com o sr. Arsenault, o professor de marcenaria, e jogou uma lixadeira nele. Kenny teve três suspensões durante seus dois anos na Gates Falls Middle; depois do meu confronto com ele no alto da escada, descobri que ele era tipo uma lenda. Mas aquilo foi a gota d'água. Ele foi expulso, e eu achei que meus problemas com ele tinham acabado. (...) Tenho total lembrança do que aconteceu depois. Não faço ideia de por que as lembranças ruins da infância e da pré-adolescência são tão claras, só sei que são. E essa lembrança é muito ruim.”
É uma boa novela. Seu desenvolvimento fica aquém de "O corpo" que nos deu o belo e poético filme "Conta comigo", ainda assim é leitura agradável, principalmente àqueles que estão iniciando no universo kingiano. Craig é perseguido pelo valentão da turma e tem o auxílio de sua professora preferida e outra ajuda especial do além para resolver suas pendências, graças ao celular presenteado.
“— Gente das ciências não está imune a superstições, Craig. Eu não acredito em mexer com o que não entendo. Minha avó dizia que uma pessoa não devia fazer uma pergunta se não quisesse resposta. Sempre achei esse um bom conselho..”
A novela "Com sangue" foi a que mais tive vontade de ler, não só por ser o título do livro, mas também por trazer novamente uma das personagens mais queridas de King - Holly Gibney (outra constante no universo de King, a interligação de inúmeras personagens de suas obras). Pra quem não conhece, Holly é uma investigadora particular com transtorno do espectro autista, transtorno obsessivo-compulsivo e síndrome de Asperger, que dificulta suas interações sociais, porém a faz superatenta a tópicos específicos e linhas de raciocínio além do normal.
Holly aparece pela primeira vez na trilogia "Mr. Mercedes" auxiliando o detetive Bill Hodges e é alçada ao protagonismo rapidamente e pelas palavras do próprio King era pra ser apenas coadjuvante, mas sua participação ganhou destaque e se tornou personagem de vida própria. Tanto o é que ela voltaria em um romance próprio, desvinculada de Bill em "Outsider" ao lado do atormentado detetive Ralph Anderson, à caça de El Cuco, ou melhor, o bicho-papão, um ser sobrenatural do folclore mexicano (mas que existe em várias culturas) que se alimenta do medo e do sofrimento das pessoas.
Nesta novela King retorna ao mesmo tema e Holly se depara com El Cuco em outra situação.
“Ele estica a mão, mas não parece surpreso quando Holly se recusa a apertar. Até a tocar nele. Ele se levanta e sorri de novo. É o sorriso que dá vontade nela de gritar.”
A aventura se dá quando em uma notícia da TV Holly nota uma mancha escura acima da boca do repórter que apresenta uma tragédia. Muito inusitado não é? Mas para alguém com raciocínio e observação extraordinários isso pode acontecer.
A tragédia acontece em uma escola, após um entregador deixar uma caixa que se revela ser uma bomba, ceifando a vida de muitas pessoas, inclusive crianças. E quando há crianças envolvidas a comoção costuma ser mais abundante.
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