Luciano Luíz 07/12/2020
Raramente STEPHEN KING produz bons contos. Existem aqueles que se destacam, mas somados são ainda mais raros. COM SANGUE contém quatro narrativas que infelizmente adicionam pouco a qualidade da obra do autor ao longo das décadas.
O primeiro conta a história de um homem com quase noventa anos, bilionário que vive num casarão no fim do mundo (algum ponto do Maine como de costume) e recebe diariamente jornais e semanalmente revistas. Então um menino que cuida de suas plantas fala das maravilhas do iPhone e o velho diz não ter interesse. O menino então presenteia o idoso e rapidamente o convence das coisas incríveis como ter notícias e a movimentação da bolsa de valores em tempo real e blá, blá, blá. O conto se desenvolve muito bem enquanto o velhote vai aprendendo e filosofando sobre a internet, mas depois ele morre e então a trama perde toda a sua grandeza e aí os acontecimentos (aparentemente) sobrenaturais tomam conta e a história fica ruim em todos os aspectos.
O segundo conto é dividido em três partes. Ali temos uma narrativa confusa sobre um tal Chuck e ao final da primeira parte a coisa se revela e então pode-se dizer que é uma história curta que vale o investimento. Porém, são três partes. O conto é construído de forma retroativa, ou seja, contado de trás pra frente (não funciona tão bem assim ali) e a bem da verdade as partes dois e três não são tão importantes quanto a primeira. Há detalhes que dão uma riqueza maior sobre o protagonista, mas sinceramente, é bem melhor esquecer essas partes devido a baixa qualidade se comparadas com o início (que é o final). Pois lá há um mistério que quando revelado faz o conto adquirir um destaque e tanto na carreira de King.
O terceiro conto contém como heroína uma moça chamada Holly (que aliás, apareceu na trilogia MR. MERCEDEZ e depois fez uma importante ponta em OUTSIDER) e agora ganha um papel maior, mas, convenhamos, COM SANGUE (é, o conto dá nome a coletânea) em verdade é uma versão em miniatura de Outsider, com início monótono, mostrando mais do mesmo, com acontecimentos semelhantes, já que o vilão é da mesma raça do romance, uma criatura que pode se metamorfosear. Apesar das repetições e do começo arrastado, a história tem uma única vantagem: Holly que pode ser considerada uma das poucas personagens de King que realmente amadurece na questão da mentalidade (ela tá quase na meia-idade, mas sabe como é) além é claro de ter a participação de outros personagens que curiosamente não parecem amadurecer (ok, são jovens, mas sabe como é), inclusive um policial aposentado (não me refiro ao Bill que faleceu no terceiro livro da trilogia). Mas, enfim, no geral é o único texto aqui que compensa dar uma conferida.
O quarto e último conto é intitulado RATO, e fala dum professor e escritor que tem sucesso como contista, mas que já tentou produzir um romance e por causa disso quase incendiou a casa. Mas em determinado dia quase atravessando a rua teve uma visão dum romance de faroeste e assim decide ir pra casa do falecido pai a centenas de quilômetros para escrever na solidão sua obra. A esposa não gosta da ideia, ainda mais depois que uma tempestade é anunciada e ela perde o contato com ele. No meio da floresta no chalé o cara começa a escrever o romance num ótimo ritmo, mas os dias vão passando e o desânimo das palavras aparece e nada mais faz sentido (como na experiência do romance anterior). Então a tempestade chega e durante a forte chuva e o frio, ele abre a porta da casinha (para ver uns estragos possivelmente em seu carro com galhos de árvores devido a força do vento) e na varanda um rato com a patinha machucada está tremendo. O recolhe e o deixa ao lado da lareira. Então como forma de agradecimento por ter sido salvo o rato diz que realizará um desejo do sujeito. E este pede que o romance seja concluído. O rato diz que realizará o desejo, mas em troca quer algo... enfim, a ideia é boa, mas a execução não é das melhores. Infelizmente é bem ruinzinho. As conversas são monótonas e é estranho ler um conto tão ruim do King quando ele é especialista em produzir boas histórias tendo escritores como protagonistas...
Em resumo essa coleção deixa demais a desejar. Quando comecei a leitura estava com a ansiedade nas alturas porque King nunca foi um grande contista, mas daí o conto do velho e o smartphone me fez se sentir melhor e eu sorria naquele silêncio aconchegante, mas daí as deficiências aparecem e tudo vai pro ralo... uma pena...
L. L. Santos
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