Henggo 01/06/2022
Ode à animalidade
Que livro peculiar, diferente, intrigante, cansativo, apaixonante. Assim como as notas de um perfume bem feito, eu tive aqui uma sucessão de prazeres.
Primeiro, o encantamento.
"Perfume, a história de um assassino" é um dos meus filmes preferidos da vida. É ousado, sem regras, desnudo; sem "hollywoodianismos", sabe? É um choque. E por ter me apegado tanto a ele, mergulhar neste livro foi um êxtase desde a primeira frase.
Segundo, veio a inspiração.
A história de Jean Batist Grenouille é grandiosa. A todo o momento eu imaginava subtramas, possibilidades, intrigas, histórias para além da história. É um personagem único, sem dúvida. Apaixonante e repulsivo.
Então, o asco.
Em certas passagens, a narrativa me cansou. Diálogos são algo raro aqui. É uma narração constante, ininterrupta e por vezes morosa. Não, não chega ao "padrão Tolkien de descrições". Porém, ao meu ver, tem certas partes que beiram como se o autor tivesse se deixado levar por divagações mil. Não é ruim, mas, tenhamos sensatez, tudo em excesso cansa.
Por fim, o êxtase.
Este é um livro sobre a animalidade, o sentido mais mundano, mais primitivo, mais instintivo que reside em nós. Ele está oculto por camadas e camadas de uma pretensa civilidade, contido pelas leis, pela religião, pelas regras de sociabilidade. Mas não se engane: nós somos animais, sedentos, violentos e, a um estalar de dedos, deixamos que a animalidade venha à tona. E com ela, como bem mostra o livro, vêm os odores de nossa humanidade.
O horror que mora em nós.
Ou você acha que torcedores se matando (literalmente) em um estádio de futebol é civilizado? O marido que, com ciúmes, esquarteja a esposa? O aluno que toca fogo na professora com medo de nota baixa? A irracionalidade da guerra?
Animalidade.
Hormônios.
Cheiros.
Vida e morte.
Perfume do que é a existência humana
E o final deste livro, as três páginas derradeiras, é EXATAMENTE o que eu penso que aconteceria caso Jesus aparecesse no meio das pessoas hoje em dia. Mas temos um gostinho: jogue uma celebridade no meio de uma rua apinhada e você verá até onde vai o amor.
Sim, o AMOR.
É o perfume da animalidade. Uma fragrância oculta, mas marcante. Como este livro.