Mi Hummel 28/12/2013
Em busca de uma identidade através do odor.
“(...)Seria capaz de criar um perfume não só humano, mas sobre-humano; um perfume angelical, tão indescritivelmente bom e pleno de energia vital, que quem o respirasse ficaria enfeitiçado e quem o usasse amaria Grenouille de todo o coração. Sim, era preciso que o amassem, quando estivessem debaixo do sortilégio do seu perfume; não apenas que o aceitassem como um deles, mas que o amassem até à loucura, até ao autosacrifício, que estremecessem de delírio, que gritassem, que chorassem de volúpia sem saber porquê, era preciso que caíssem de joelhos como ante o odor frio de Deus, sempre que o cheirassem, a ele,Grenouille!"
Primeiro eu havia assistido ao filme.
E, como acontece na maioria das vezes que me deparo com uma obra assim, acabo não a admirando de primeira.
Interessante. Acredito que vamos amadurecendo até mesmo em questão de leitura. Ao ponto em que conseguimos ler algo de mente aberta, atentos aos significados e correlações psíquicas mais profundos e, aquela obra, de princípio rejeitada, passa a ter o seu valor. E como é grandioso o seu valor!
Lembrei do filme por ocasião de minha dissertação de final de curso. Que, ora! Falava sobre o perfume enquanto mercadoria de reconhecimento. E deu-se o estalo! Li o livro em questão de horas, devorando, engolindo abruptamente e aos trancos.
A obra do escritor alemão descreve a obsessão do jovem Grenouille, nascido entre as carcaças de peixes podres nas ruas fétidas de Paris, pelo alcance do reconhecimento através do odor.
Toda a jornada da personagem é a busca por um odor pessoal, capaz de causar sensibilidade às pessoas à sua volta, capaz de
outorgar-lhe poder: o poder de um Deus. O que é extremamente interessante se pensarmos que o perfume surgiu de um ato religioso. Os povos primitivos queimavam ervas para que o perfume chegasse até os Deuses. ( Inclusive, perfume significa " através do fumo" em sua forma latinizada.)
Aliás, o ato de borrifar perfume em si e nos demais objetos pessoais chegou a substituir a higiene por um certo período.
Perfumar-se também está ligado à sedução...(fato que não escapa à Suskind)
Um dos principais problemas de Grenouille é não possuir um odor. (Ou seria uma identidade?) e é por isso que ele se joga na busca por um cheiro mágico em um mundo decadente. Grenouille acreditava que, ao reter para si a fragrância, conseguiria o amor e o reconhecimento dos demais.
O que ele consegue?
Uma reação primitiva, grotesca e devoradora.
"(...) Em seguida e de um só golpe, a última barreira quebrou-se dentro deles e com ela o círculo. Precipitaram-se para o anjo, caíram-lhe em cima, prostraram-no por terra. Cada um queria tocar, cada um pretendia a sua parte, possuir uma pequena pluma, uma pequena asa, uma centelha do seu fogo radioso. Arrancaram-lhe as roupas, os cabelos, arrancaram-lhe a pele, cravaram-lhe as unhas e os dentes na
carne, atacaram-no como hienas."
O homenzinho sucumbe aos que deveriam adorá-lo. Mas...Até neste ato de sacrifício Grenouille evoca a figura religiosa do Cristo que deu sua carne e sangue na ceia derradeira.
Portanto, leitor, não subestime a força da obra de Suskind como eu o fiz.