@letraepapel 26/06/2023O que chamam de "Brasil profundo" é o meu Brasil de todo diaEu poderia falar tantas coisas de Salvar o fogo? Da força dos personagens, do resgate da ancestralidade afroindígena, da prosa de Itamar Vieira que segue sendo maravilhosa? Mas eu preciso falar do quanto Salvar o fogo é também sobre mim e sobre meu pai, sobre seus irmãos e sobre a mãe dele, minha vó, dona Dina.
No livro, conhecemos Luzia e Moisés, personagens que vivem às margens do rio Paraguaçu com o pai Mundinho e mais uma penca de irmãos que vão sendo apresentados ao longo da narrativa. A aldeia onde vivem, a Tapera, é vigiada por um mosteiro que há muito tempo rege a moral e os costumes daquela região.
Lendo Salvar o fogo não consegui descolar ficção e realidade, porque o ?Brasil profundo? (como tantos gostam de adjetivar) retratado por Itamar é o meu Brasil, o meu Nordeste, a minha Bahia. Aquela que me criou, me acolhe e faz de mim quem eu sou.
Moisés é meu pai e seus irmãos quando sai em busca de melhores condições de vida. Luzia é vó Dina quando acreditou que precisava abandonar as ?crendices? para aderir ao cristianismo. Mariinha também é vó Dina quando deu ?desgosto? à mãe para se amigar com um homem preto. Até Mundinho é minha vó quando no seu leito de morte implorou por todos os filhos por perto pra poder se despedir de cada um. E tenho certeza que, além de mim, muitos vão ver a si e às suas famílias nesses personagens.
Tudo o que ouvi de minha vó e que ouço ainda hoje de meu pai e meus tios envolve o direito à terra, a religião e pertencimento, temas marcantes em Salvar o Fogo. Foi muito especial poder me enxergar em uma obra tão grandiosa quando a maior herança que tenho na vida são as histórias dos meus entes, histórias muitas vezes contadas, mas poucas vezes ouvidas de verdade ou reconhecidas como merecem ser.
Obrigada por mais essa, Itamar!