Rayssa Bonissatto @livrosdarayssa 18/05/2023
CHEIRO DE JABUTI!!!!
As expectativas são altas quando se trata de Itamar Vieira Junior. Após o enorme sucesso no mercado editorial e os vários prêmios de TORTO ARADO que o lançaram ao rol de grandes autores brasileiros, inevitavelmente o leitor pode se perguntar: Será que ele vai repetir o grande sucesso? Será mais do mesmo? O que mais Itamar tem a nos oferecer?
Itamar não me decepcionou. Desde as primeiras páginas foi palpável que estava embarcando numa viagem inesquecível.
Um livro grandioso cujo cenário é Tapera, uma região pobre do interior baiano às margens do Rio Paraguaçu. Acompanhamos Luzia, seu irmão Moisés (Menino) e seu pais Mundinho e Alzira... Os irmãos de Luzia se perderam no mundo, buscando novas perspectivas que não a vida dura e sofrida na Tapera, alguns ainda dão notícias eventuais, outros não se sabe se estão vivos ou mortos.
Luzia vive sob vários estigmas: uma deficiência, ser mulher, o analfabetismo, as acusações de bruxaria. Sempre recebeu olhares enviesados. Vê a possibilidade de proteção que a barrela e a lavação dos lençóis do mosteiro poderiam lhe oferecer.
A comunidade da Tapera é intensamente explorada, principalmente pela igreja. Os representantes do mosteiro usurparam as terras dos antepassados daqueles que lá vivem e na "sua imensa bondade" deixam que aqueles como Mundinho a explorem, segundo suas regras e mediante a cobrança de impostos, o preço da caridade.
Outra presença constante no enredo é "o Mal", aquele que pode vir como forma de afago, de olhar. O abuso que é tido como cuidado. O pecado daquele que se diz santo. A coincidência ou a consequência de uma série de eventos do destino. Mas em Tapera, "o Mal" precisa da personificação num inocente.
Da nascente, na Chapada, à Tapera, as águas do Paraguaçu inundam vidas, estabelece vínculos entre aqueles que labutam pela sobrevivência e contra a exploração. Em meio às águas em que o Menino foi "coado", banha-se terras em que há várias Luzias, várias em que um simples desejo é "a língua a encontrar dentes os incisivos quando pronunciar 'pe-dra', 'mun-do', 'la-ba-re-da''. São essas terras que alimentam o fogo.
O cenário baiano, a estruturação dos capítulos, a apresentação dos personagens, a luta de classes, a terra como personagem, o pertencimento, a forte cultura ligada à ancestralidade, tudo isso remete a Itamar Vieira Junior. Mas essa experiência transcende. Há, sim, alguns paralelos (e conexões) com TORTO ARADO, mas SALVAR O FOGO é uma experiência totalmente nova, rica e encantadora. Por isso, não se engane, ele não repete a fórmula e entrega um outro livro, outro para se levar por toda a vida.