Beto 31/07/2023
Quando e onde salvar o fogo?
Um bom trabalho de Vieira Jr.: a construção de personagens. Gosto como ele é capaz de construir personagens que nos cativam e, em Salvar o Fogo, ele faz isso com mais habilidade que no romance anterior. Logo de cara, somos seduzidos pel'O menino e tendemos a ter nossas ressalvas com Luzia - afetos, positivos ou negativos, nos tocam.
Acho que o enredo é também interessante, mas da mesma maneira que no romance anterior, eu sinto que em algum momento coisas em excesso entram na história. Entende-se de forma clara a relação entre os personagens e a ancestralidade indígena local; então porque insistir tanto na reiteração disso a partir das visões de uma das personagens? E a mistura indígena-negra? achei mal resolvida.
Assim também o poderio sombrio e castrador da igreja católica, com sua onipresença na comunidade retratada, mas será que, no recôncavo baiano, a força do catolicismo é tão maior que faz com que a mesma terra que celebra o Senhor do Bonfim com uma lavagem da escadaria com águas de Oxalá seja tão forte a ponto de ensinamentos caros e ancestrais serem forçadamente apagados? Isso não é mais a agenda neopentecostal? Questões.
Há conexões entre esse romance e o anterior. Interessante ideia. Mas, de novo, parece que há uma forçada de barra para encaixar uma coisa na outra. Até porque a ligação entre os dois romances se dá através de um artifício narrativo repetido que, mais uma vez, prejudica a unidade do romance, fazendo dele algo irregular. Sem spoilers.
Por fim, o principal ponto: a narrativa tem seu tom político-social, ótimo, que beleza o autor se debruçar sobre assuntos tão caros ao nosso Brasil. Mas falta marcação temporal e espacial. A pequena referência espacial está na menção à baía - e à direção dos rios - e na comparação com Água Negra, cenário de Torto arado. Insuficientes para demarcar a relevância da região para as questões abordadas, inclusive do ponto de vista histórico, o que toca a falta de referenciação temporal. Essa história se passaria em qualquer tempo? Inevitável não pensar na obra prima Memorial do convento e todas as suas referências históricas, espaciais e temporais.
Afirmo, contudo: gostei bastante do livro. Acho que estamos diante de uma voz potente na literatura contemporânea e eu sou apenas um leitor, a consagração de Vieira Jr. já existe, com sua legião de fãs. Gostei mais deste romance do que do outro e gosto muito da história contada. Devorei o livro. E, por fim, penso na pressão sobre um escritor que virou uma quase unanimidade. E acho bom ele cuidar dessa pressão, porque ele andou não sendo muito legal por aí. Mas a literatura brasileira segue viva.