Aline T.K.M. | @aline_tkm 06/03/2014Narrativa viciante e impecávelAquele esquema de variados personagens que, em algum momento de suas vidas, se conectam uns aos outros, aparece em A Visita Cruel do Tempo, primeiro livro de Egan editado no Brasil. Pessoas tão diferentes quanto podem ser...
Bennie Salazar, empresário da indústria musical, que descobriu os Conduits;
Sasha, assistente cleptomaníaca de Bennie e dona de um passado um tanto obscuro;
Lou, produtor musical viciado em cocaína, cuja vida é marcada por festas e garotas bonitas em sua mansão;
Dolly, assessora de imprensa que, ao ter sua carreira destruída, encontrou como única solução para seus problemas financeiros ser assessora de um general ditador;
Lulu, filha de Dolly, que desde criança tem a habilidade de influenciar as coleguinhas;
Jules Jones, repórter de celebridades preso por atacar uma jovem atriz;
Scotty, um cara simples que toca slide guitar, amigo de Bennie na adolescência.
De fins da década de 70 a um futuro não muito distante (por volta de 2030), vemos estes e outros personagens em ação e interação, em capítulos que intercalam diferentes momentos de suas vidas. Quase como um personagem adicional, o tempo é onipresente e implacável. Também toca as vidas dos personagens, provocando efeitos que podem ser tanto devastadores como reparadores.
A falta de linearidade temporal é característica marcante no livro. Na prática, a sensação que se tem é a de, literalmente, não perceber a passagem do tempo. Eventos e pessoas vão e vêm sem uma coreografia definida, tal como a nossa própria memória faz pipocar lembranças a esmo. Em algum momento, tudo parece fazer sentido. Mas não nos enganemos: à espreita, o tempo sempre prova que tudo é inevitavelmente volúvel e passageiro.
O passar do tempo traz um pessimismo palpável à narrativa. A juventude que se esvai; a ausência do puro, do casto; a quase total manipulação através da tecnologia; a música “de verdade” em vias de extinção.
As referências musicais são muitas, fazendo das páginas um agrado a mais para os fãs de rock. Mas é sobre as pausas no meio das canções que se fala insistentemente em determinado momento da trama. E não é à toa: elas talvez sejam a representação mais próxima que se tem da percepção da passagem do tempo – e de um desejo inconsciente de detê-la.
Por coisa de um segundo e meio – às vezes mais, às vezes menos –, o ouvinte fica como que suspenso em uma bolha, a se perguntar se a música acabou de repente ou se os instrumentos recuperarão o vigor num estrondo ainda mais avassalador, rumo ao grand finale.
No fim das contas, a inevitável expectativa do que vem a seguir é a prova cabal de que só existem duas alternativas possíveis: ou o tempo continua a seguir seu curso veloz, ou aquele é, de fato, o fim.
LEIA PORQUE...
A Visita Cruel do Tempo é a degradação, a resiliência e a abdicação, misturadas e remexidas no imenso caldeirão da vida real. Tudo devidamente temperado com uma narrativa viciante e impecável.
DA EXPERIÊNCIA...
O pessimismo, tal como adoro, embrulhado para presente.
FEZ PENSAR EM...
“Time is passing” – The Who.
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