gleicepcouto 03/04/2012Uma incrível desconstrução do paradigma do tempowww.murmuriospessoais.com
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Logo na capa e contracapa me senti intimidada pelo livro A Visita Cruel do Tempo, da autora norte-americana Jennifer Egan. Em letras grandes o suficiente para conseguirmos ler a uma distância considerável, está escrito: Vencedor do Pulitzer (prêmio mais que prestigiado, que abrange as áreas de jornalismo, literatura e música), além de várias declarações positivas de veículos de imprensa renomados como The New York Times, Time, The Washington Post, The Guardian, dentre outros.
Geralmente tenho duas reações quando vejo tantas críticas positivas acerca de um livro, e, por mais estranho que seja, elas sempre são opostas. Ou me sinto obrigada a gostar do livro, e se não o fizer me sentirei uma burra - alguma coisa deve ter passado despercebido. Ou então, só pra ser do contra e mostrar como a mídia constantemente exagera em adjetivos para algumas obras que não passam de medianas, decido não gostar do livro.
Bem, em A Visita Cruel do Tempo nenhuma das duas reações funcionou. Primeiro porque entendi sim o livro, e o li minuciosamente; e segundo porque não tem como ser do contra, e achar que os adjetivos estão sendo exacerbados por críticos/editoras sedentos por achar o próximo sucesso editorial.
A Visita Cruel do Tempo é genial. Ponto.
A história tem diversos personagens, mas dois como principais: Bennie Salazar e Sasha - que são de gerações diferentes. Bennie é um empresário da indústria musical, e Sasha, sua assistente cleptomaníaca. O maior feito do Bennie, que teve Lou (empresário viciado em cocaína) como mentor na década de 70, foi ter descoberto a banda Conduits, cujo guitarrista Bosco é usado pelo jornalista Jules (cunhado de Bennie) para reerguer sua carreira que foi destruída quando atacou uma atriz americana em um passeio pelo Central Park e foi preso.
Tá confuso? Então a culpa é minha. Porque Jennifer descomplica tudo no livro.
A narrativa é caracterizada pela não linearidade cronológica do tempo. Ora o capítulo que você está é o presente, ora é o passado, aí volta pro presente, e depois vai pro futuro, e assim por diante. A autora não se comunica conosco apenas por palavras, mas por emoções, realidade e (pasmem) até slides e gráficos!
São treze capítulos e cada um é focado em um personagem que apareceu no capítulo antecessor. As vozes utilizadas são diferentes também. Às vezes, está na 3ª do singular, outras na 1ª e até há um capítulo na 2ª pessoa. Isso gera um desconforto surpreendente e uma aproximação com o personagem que chega a ser surreal. A cada "você" que eu lia nesse capítulo, ficava incomodada, mas de um jeito bom. "Gente, poderia ser eu ali."
E de alguma forma todos estamos representados no livro.
Tempo é um assunto que assusta (na mesma medida que fascina) a muitos. Ninguém quer ficar velho. Ninguém imagina como é ficar velho. Como será sua vida ao envelhecer. Se isso não mexe com você, parabéns! Deixa a fórmula que você usa no comentário do post, até fiquei curiosa.
Jennifer apresenta a história de forma tão crua e real, que beira o melancólico. Aqui não há espaço para o romance idealizado - estamos falando de vida. Pessoas que cometem erros, que não pedem perdão, e que continuam a viver. Mas nem tudo é sombrio. Há os momentos de humor e de beleza encantadora, quase ingênua.
Essa é a dosagem perfeita do livro - que não te deixa deprimido, mas te faz refletir, não sobre o tempo futuro e sua ação desenfreada, mas pelo o que você está fazendo exatamente neste instante. O mundo está em constante mudança, as pessoas idem, de forma que nada acaba sendo como planejamos – então chega de desperdiçar tempo pensando no futuro que não vai acontecer. É a incrível desconstrução do tempo. Só existe o agora.
O grande atrativo do livro, certamente, é a sua estrutura perfeita por ser completamente fora dos padrões. Posso ser repetitiva? É genial.
Dá gosto de ler um livro assim, que foi pensado antes de ser escrito, analisado, pesquisado. Egan não sentou na sua cadeira em uma tarde de tédio para escrever qualquer coisa a esmo. A autora queria contar uma história de vida, que afetasse e tocasse o coração de qualquer pessoa. Queria algo que provocasse mudanças. Em mim, ao menos, ela conseguiu.
A Visita Cruel do Tempo também foi vencedor do prêmio National Book Critics Circle Award. Já foi confirmada a presença de Jennifer Egan para a Flip 2012, a ser realizada entre os dias 4 e 8 de Julho, em Paraty, RJ.
A Visita Cruel do Tempo (A Visit From The Goon Squad)
Autora: Jennifer Egan
Editora: Intrínseca
Ano: 2012
Número de páginas: 333
Valor: $20 a $30
Avaliação: Genial (adoro ser enfática)