Konshal 29/10/2023
TARDIA LIBERDADE
ART 1º - É DECLARADA EXTINTA DESDE A DATA DESSA LEI A ESCRAVIDÃO NO BRASIL. Esta sucinta lei proclamada em 13 de maio de 1888 esconde uma enorme transformação política e social pelas quais o Brasil passou ao longo do século XIX e são retratadas das mais diversas formas nesse terceiro e último livro da trilogia Escravidão de Laurentino Gomes.
Para início de conversa, o livro abre com uma linha cronológica destacando os anos em que países ao redor do mundo aboliram a escravidão em seus territórios. E com esse simples parâmetro percebemos o quanto o Brasil foi retardatário nesse sentido. Muitas nações instituíram a abolição antes mesmo de termos a nossa independência.
Histórias de vida de personagens-chave ajudam a estudar o perfil do Brasil imperial. Desde pontos de vista raríssimos de se conhecer (os de escravos) abordados por figuras como Mohammad Gardo Baquaqua e Nã Agotimé. Esta última, por exemplo, representa figuras da nobreza africana que, uma vez que perdiam guerras e/ou disputas de territórios na África, eram escravizados por lá e podiam ser trazidos como tal para o Brasil.
Da mesma forma, trajetórias, por certas vezes semelhantes, de alguns homens também nos auxiliam a montar as peças do crescente movimento abolicionista que floresceu no século XIX - período compreendido por esse volume - no seio da nova camada social da população brasileira: a de profissionais liberais. Nem tão ricos quanto a aristocracia cafeeira, mas que gozavam da liberdade negada aos negros.
Já conhecer a forma de pensar dos escravocratas convictos nos levam a questionar certas homenagens póstumas que estes receberam. Tidos como exemplos da sociedade, os seus negócios prosperavam da forma mais nefasta possível, não só pela exploração da mão-de-obra escrava, mas também por fazer operações comerciais envolvendo escravos justamente quando isso era proibido por diversos tratados e convenções capitaneadas à época pela Grã-Bretanha e dos quais o Brasil era signatário. Por que esses criminosos perante a lei foram considerados dignos de estátuas pelo país afora?
Uma coisa que me incomodou nesse volume 3 foi que muitos capítulos (especialmente no miolo do livro) se perderam na repetição de números em cima de números e de dados em cima de dados. Por mais que estes sejam importantes, sempre acredito que fatos históricos são mais determinantes para se entender algo histórico do que uma profusão de índices e porcentagens diversas. Acredito que Laurentino Gomes tenha exagerado na hora de repassar o seu amplo estudo para a obra final. Faltou um refinamento melhor no compilamento desses dados.
De um modo geral, a manutenção da escravidão e a sua abolição tardia em relação ao restante do mundo ocorreram por motivações simplesmente políticas e econômicas. Motivações mesquinhas tal qual a elite brasileira à época. A ?compra? de apoio político era realizada por meio de títulos ?barônicos? de pouca ou nenhuma relevância, onde os fazendeiros/cafeicultores ricos (especialmente os que residiam no Vale do Paraíba) poderiam viver em seu mundo de faz-de-conta numa cópia mal-ajambrada da sociedade europeia.
Para plantar e colher café nas grandes fazendas, para mover a vida urbana do Brasil imperial, os escravos estavam ali para serem explorados. Para defender e lutar pelos interesses de Dom Pedro na Guerra do Paraguai, idem. Novamente os escravos se faziam presentes. Então, impressiona como os negros são completamente esquecidos, os últimos na lista de prioridades, quando se fala na primeira Constituição brasileira promulgada em 1824 onde sequer foram citados.
Fraqueza política da família real. O crescimento do ideal abolicionista na sociedade. Mas a fatídica lei de 13 de maio de 1888 ocorreu mesmo por causa do medo. O envolvimento militar na Guerra do Paraguai (outra atividade exploradora de mão-de-obra escrava) desprotegia as demais regiões do país contra uma possível revolta dos escravos. A independência conquistada pelos negros do Haiti não saía do imaginário dos brancos à época. E diferentemente da enorme mescla de povos entre os escravos do início do tráfico negreiro no Brasil colonial, a população ainda explorada no século XIX por aqui eram filhos destes, portanto, brasileiros. As probabilidades de união de força agora eram maiores. Estados como Ceará e Amazonas foram pioneiros na abolição da escravatura. A Bahia obtinha cada vez mais fama graças aos seus escravos revoltosos. A abolição da escravatura era um caminho sem volta. E o fim da monarquia, também.
Mas a liberdade não foi garantia de dias melhores para os negros? nem no dia, nem no ano ou muito menos nas décadas seguintes. Muito disso se deu pelo tratamento desigual (e revoltante) que muitos imigrantes brancos receberam ao desembarcarem no país no fim do século XIX, com benesses financeiras que os negros jamais sonhariam em receber por aqui. Era o fim de mais de 300 anos de escravidão, mas não era o fim do sofrimento daqueles que padeceram dela.