Queria Estar Lendo 31/07/2018
Resenha: O Dueto Sombrio
O Dueto Sombrio é o volume final da duologia iniciada em A Melodia Feroz. Escrito pela grandiosa V.E. Schwab e publicado aqui pela Editora Seguinte - que cedeu o exemplar para esta resenha - é um fim melancólico e sombrio para uma história cujos monstros nasceram da própria humanidade. Da falta dela.
Essa resenha vai conter alguns spoilers do primeiro volume.
A sequência se inicia alguns meses depois da partida de Kate para longe de Veracidade e de todas as lembranças e pesadelos que deixou para trás. August é agora um respeitado líder da força tarefa responsável pela caça aos monstros que habitam a cidade, marcado pela dureza e pelas consequências das suas escolhas. Kate, à distância, se tornou uma caçadora temida em meio aos poucos moradores de Prosperidade que sabem sobre a existência dos monstros.
Quando uma nova criatura espreita as noites turbulentas desse mundo marcado pela violência, Kate entende que a única maneira de ajudar é voltando para sua casa - e confrontando tudo a assombrou e ainda assombra.
"Ela sabia de algo mais: havia dois tipos de monstros, o tipo que caçava nas ruas e o que vivia dentro da sua cabeça."
Se eu tivesse que definir O Dueto Sombrio em poucas palavras seria mais ou menos assim: não dá pra largar.
A partir do momento em que você inicia a leitura, pare a sua vida porque você não vai querer deixar ela de lado. Schwab estabelece um ritmo frenético desde a primeira página, intercalando os pontos de vista de Kate, August, de Sloan - o principal antagonista da história - e, por fim, do novo monstro. Com o cenário já estabelecido no primeiro volume, aqui a palavra-chave é consequência. As consequências de crimes, de escolhas, de abandonos, da violência, acima de tudo.
Os monstros desse mundo são gerados por atos violentos, e todos os personagens carregam um pouco disso dentro deles. Especialmente Kate - a mais fascinante dentro da trama desse livro.
"Violência gera violência, e atos monstruosos geram monstros."
Aterrorizada pelos acontecimento do fim de A Melodia Feroz e perseguida por eles a cada passo que deu para longe de Veracidade, Kate confronta o novo monstro e é a única capaz de entendê-lo. De ver o que o move. De ouvi-lo e vislumbrar um pouco através dos seus olhos. Kate e o monstro são um espelho um do outro; ela, tentada pela violência, pela fúria, por pequenas sensações que a colocam em um caminho de caos e destruição - um caminho sem volta. Ele, uma sombra, muita incerteza e quietude.
O confronto silencioso entre a Kate e o monstro e suas escolhas é fascinante. Enche a trama de tensão. A personagem é aquilo que conhecemos: a garota corajosa, sem farpas na língua, disposta a tudo para fazer a coisa certa. Mas o que é esse tudo? Até onde Kate está realmente disposta a ir pelo pouco que ainda resta? Sua relação com Veracidade e com August são as únicas bússolas a guiá-la; seu verdadeiro norte, a ordem para todo o pandemônio que ela vive.
"- Segura firme na raiva, na esperança ou no que quer que faça você seguir lutando."
A aura que O Dueto Sombrio estabelece em seus protagonistas é de melancolia e terror, acima de qualquer coisa. Terror do desconhecido e do conhecido, tristeza pela realidade tenebrosa em que vivem e pela esperança que ainda cultivam. Schwab entrega isso tão bem que foi impossível não sentir desespero e nervosismo e aquela necessidade gritante de ouvir um "vai ficar tudo bem", ainda que nada no cenário incline nessa direção.
"- Você pode afastar um corsai com luz e tirar as presas da boca de um malchai, mas como deter a canção de um sunai?"
August, por outro lado, já está abraçado pelas sombras. Para cumprir seu papel na força tarefa e ser o soldado exemplar, o líder em quem todos podem confiar, ele aceitou sua máscara monstruosa e a usa como parte de uma armadura. O August doce e gentil que buscava a humanidade acima de qualquer coisa ainda existe, mas está escondido. Silenciado.
Com a chegada de Kate, no entanto, vislumbres dele se assomam e sombreiam o monstro. Com Kate, August é tudo de humano, representa o coração e a alma que ele sabe que não tem.
Em contraponto a esses dois, temos Sloan. Um monstro por completo, guiado pela cobiça e pelo desejo da violência. Um líder cruel e assustador que usa a lábia e sua presença aterradora para perseguir e orquestrar. O que o move é a sede de sangue, de poder, de caos - e, considerando o cenário horroroso em que todos eles vivem, nas noites marcadas por urros e por tragédias, Sloan sabe como mover suas peças para criar um jogo perfeito.
Além deles, personagens secundários enriquecem a trama e se erguem como pilares e como indivíduos próximos aos protagonistas. A família de August - Henry e sua liderança, Emily e sua seriedade, Ilsa e a doçura tão oposta à sua existência monstruosa - é importante para ele, mas está ali como a parte mais humana da história. A que não lida com o desejo de violência, que existe para resistir.
"A noite estava cheia de monstros, e ele precisava caçar."
Uma adição interessante foi a do sunai Soro - um monstro nascido de uma grande catástrofe, tal como August. Muito mais conciso e menos tentado do que o garoto que conhecemos, mas ainda assim menos medonho e mais próximo de um humano.
Como eu mencionei ali em cima, O Dueto Sombrio não é um livro alegre. Não tem muito espaço nele para revolução e esperança - pequenos espaços, sim, e essenciais para o desenvolvimento da trama. Mas ele é muito mais construído em cima das sombras e do medo e de questionamentos; o que faz de um humano um monstro? Qualquer ato violento? O que aproxima um monstro da humanidade? Qualquer ato gentil? São críticas sutis e discussões geniais que se encaixam com perfeição em toda a trama, que fecham a duologia com perfeição.
A edição da Seguinte, como sempre, é maravilhosa. Eu sou completamente apaixonada pelas capas desses livros e ergueria um pedestal para venerá-las se pudesse.
"- Estou disposto a me entregar às trevas se isso mantiver os humanos sob a luz."
No mais, para quem quer se aventurar em uma Fantasia densa e inquietante, com personagens caóticos que carregam muita fúria e muitos traços humanos, A Melodia Feroz e O Dueto Sombrio são a pedida perfeita. Eu, com certeza, vou indicá-los para todo mundo por muito tempo.
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