Flávia Menezes 26/08/2022
SEM RESISTIR DIGO: MEU PESCOÇO É TODO SEU, MEU AMADO CONDE.
?Drácula de Bram Stoker?, publicado em maio de 1897, é um romance gótico épico, que traz em sua narrativa esse toque poético do teatro, da influência shakespeareana, e nos faz mergulhar na privacidade dos diários de um grupo bastante inusitado, formado por dois médicos, um advogado, um lorde inglês, um texano conservador e uma professora de etiqueta.
O resultado não poderia ser nada diferente dessa obra fascinante, atemporal, que até hoje permeia os nossos imaginários, e ainda deu origem a tantos outros vampiros que vieram depois dele, mas que igualmente sedutores, nos fazem querer oferecer nossos pescoços sem emitir qualquer resistência.
Igualmente envolvente, a adaptação cinematográfica dirigida por Francis Ford Coppola, e que teve sua estreia em 1992, é uma releitura perfeita desse grande clássico, que ouso dizer aqui, corrige algumas das nossas frustrações ao chegar ao final dessa obra. Mas não me adiantarei falando sobre esse assunto agora.
A versão do livro escolhido pelo meu grupo de leitura foi a da DarkSide, publicada em 2018, que além de ser belíssima, traz uma apresentação escrita pelo bisneto de Bram Stoker, o autor esportista e cineasta canadense-americano Drace Stoker, além de uma introdução que é uma parte tão fundamental, que não me imagino lendo esse livro, sem uma leitura atenta dessa parte.
Digo isso porque, além de nos apresentar os estudos sobre o possível surgimento dessa figura enigmática do conde Drácula e do vampirismo, também traz uma leitura minuciosa dos preceitos da era vitoriana, nos advertindo a recordar do contexto sócio-histórico em que a obra foi escrita, até mesmo para não interpretarmos erroneamente suas passagens, condenando-a injustamente a rótulos tais como o machismo ou a misoginia.
Ler um clássico precisa ser feito com a visão de um exímio pesquisador literário, que mergulha profundamente na forma como os personagens e o enredo foram desenvolvidos, porém que, ao mesmo tempo, se encontra com o autor para com ele estar na época e nos costumes do momento em que a obra foi escrita, desvendando assim os segredos ocultos em sua escrita.
E no que diz respeito à escrita, existem partes primorosas em ?Drácula? que me deixaram totalmente fascinada. Cito como exemplo, o personagem do médico Dr. Seward. Levando-se em conta o ano de publicação de ?Drácula?, e de que os primeiros estudos de Freud só foram publicados em 1900, ou seja, posteriormente, enquanto lia, fui totalmente arrebatada pela forma como o autor desenvolveu esse médico e sua capacidade analítica da mente humana.
O mergulho nos distúrbios psiquiátricos e na mente criminosa é simplesmente impressionante. Quando Bram Stoker, através do personagem Van Helsing, traz a questão de que a mente criminosa é uma mente pueril, eu fui ao êxtase, porque esse se aproxima em muito do conceito da ?Mente Primitiva?, ou ?Estados Primitivos da Mente?, que Freud apresentou anos depois. Me encantou ver a análise da psiquê humana sendo trabalhada, e anos antes do pai da psicanálise (que não é o verdadeiro pai, mas deixemos assim) apresentá-la.
Bram Stoker foi um exímio escritor, e sua narrativa é tão encantadora que a forma como ele desenvolve os personagens femininos é de uma sutileza tocante. Você consegue sentir a suavidade da forma como elas amam, apenas lendo. É sensorial a delicadeza que cada uma possui, e a forma como os homens se encantam por uma docilidade que também é dotada de grande sabedoria, humildade e muita força.
A cena em que Mina se desfaz em lágrimas, me inundou de emoções. E confesso que muito me identifiquei quando ela diz que mesmo se sentindo tão frágil e emotiva, ela esconderia as lágrimas para não preocupar ninguém. Existe tamanha coragem, garra e maturidade na cena, que não há como não sentir a necessidade de pausar por um breve instante e sentir seu efeito, antes de voltar e continuar a leitura.
Os personagens masculinos também têm seus muitos encantos. Ao mesmo tempo que são altamente cuidadosos e protetores com Mina e Lucy, em momento algum deixam de considerar o quanto respeitam suas opiniões. São altamente devotados, e essa é uma característica do passado que eu achei realmente fascinante em ver. É belíssimo ver como o instinto masculino de proteger as mulheres aparece com tanta força, em uma narrativa que ficará para sempre em minha memória.
Muito embora eu tenha uma lista de incontáveis elogios à obra, confesso que não foi uma leitura muito fácil, pois em um determinado momento, a narrativa se desacelera tão abruptamente, e permanece quase que estática em um único ponto, que chega a ser difícil de continuar. Mas, levando-se em consideração a época, compreendemos bem o motivo pelo qual Bram Stoker precisou frear seus instintos, e permanecer em um lugar que, apesar de um tanto tedioso, era altamente seguro. Afinal, assim foi a era vitoriana.
Mas, se Bram precisou ser comedido, Coppola conseguiu trazer toda a paixão avassaladora e sensual que envolvia Drácula e Mina de forma brilhante para as telas do cinema, e posteriormente, da tevê. As cenas são deliciosamente apaixonantes, e nesse momento, quem nunca quis ser a Mina, e ser a adorada de um conde tão sombrio e cheio de paixão como Drácula?
A verdade é que independentemente se o final agrada ou não, se os conflitos geracionais e do momento sócio-histórico causam desconfortos ou não, Drácula sempre será um personagem fascinante, que nunca se cansará de se reinventar, não importando se agora é mais conhecido como conde Klaus, ou se personifica em um dos irmãos Salvatore. O que conta no final, é que ele nunca cairá no esquecimento, e que Bram Stoker mudou para sempre o cenário da literatura nos dando um dos personagens mais fortes, intensos e sombrios de todos os tempos.