Luan 25/08/2017
Um livro que nos faz refletir se conquistamos alguns avanços que pensávamos ter alcançado
Como a maioria dos leitores, cheguei em O Conto da Aia por conta da festejada adaptação para série de TV e posso dizer de antemão que não me arrependi. Escrita em 1985, a obra é muito mais atual do que se pode pensar. A pergunta, na verdade, que fica, é justamente sobre isso: a autora que estava a frente do seu tempo, ou nós, sociedade, é que voltamos no tempo? Extremamente importante para questões que nos vemos debatendo, O Conto da Aia não passa ileso à imperfeições, mas elas são pequenas perto do acerto da obra.
Narrado pela protagonista Offered, a quem, na verdade, não conhecemos direito, a história aborda uma sociedade distópica surgida depois de um golpe de estado iniciado por um grupo religioso, que agora impôs aos Estados Unidos um governo teocrático, que não é bem definido ao longo da história, deixando em aberto para o leitor. Nesta nova sociedade, cada parte dela tem sua função. E as mais afetadas são as mulheres. Vivendo submissas e separadas por tarefas, elas desempenham funções humilhantes. Um dos grupos são compostos pelas aias, responsáveis por procriarem no lugar das mulheres dos comandantes, homens do alto escalão do governo, que estão estéreis.
A intenção da autora Margaret Atwood em escrever o livro está bem claro e é debater o feminismo e o papel da mulher na sociedade, e sua submissão em diversas esferas. O livro é linear no seu desenvolvimento e só encontra um pequeno ápice na reta final, que é quando a história também fica mais interessante. Para poder explicar o universo criado ali, a autora optou por acrescentar no meio da narrativa da protagonista lembranças do antes de forma que podemos ter uma ideia, conforme o livro avança, de como a sociedade foi mudando e chegou a este ponto.
O livro tem alguns defeitos, bem como algumas qualidades. Não quer me ater tanto a isso, uma vez que a mensagem que ele passa é mais importante que o resto. A escrita do livro é simples, o que favorece a leitura. No entanto, o início da obra é um pouco lento, o que acaba prejudicando um pouco a "entrada" na história. Parece que vai se tornar chato pela falta de acontecimentos, mas isso não ocorre. Soma-se a isso também o fato, como já citei, que não raras vezes a narradora volta ao passado lembrando de vários momentos da vida de antes. Às vezes o recurso é importante para o leitor, mas, por vezes, é desnecessário.
Mas nada disso prejudica tanto a experiência. Nem mesmo um possível final em aberto, criticado por alguns leitores, ou a falta de algumas explicações. Como é o caso, por exemplo, da não especificação da religião que toma conta dos Estados Unidos. Acredito que tenha sido uma escola da autora justamente para não se aplicar a uma ou outra nomenclatura e, assim, propiciando uma maior assimilação da crítica de que isso poderia acontecer com qualquer religião, deixando claro ali também a crítica para elas. O livro também não aborda muito profundamente grande parte dos personagens, além da protagonista. Mas é possível conhecer as camadas da sociedade e o que cada pessoa ali representa para a história.
O que mais pode assustar o leitor que tem intenção em ler O Conto da Aia é o medo de, por ser uma obra clássica, a escrita e tudo mais sejam rebuscados. Mas, como já disse, isso não ocorre. Ele parece escrito na atualidade. A leitura flui muito bem, com bons diálogos e uma reta final empolgante. O epílogo me agradou uma vez que trouxe algumas explicações e deixou uma série de reflexões, além de outras dúvidas e um final em aberto, o que foi criticado por leitores. Mas é preciso reconhecer a importância da obra para uma discussão tão atual. E, respondendo a pergunta do primeiro parágrafo, acredito que estamos parados e vivemos uma ilusão de falsa progressão, sem termos conquistado avanços que pensávamos ter atingido.