vinizambianco 27/04/2024
[sobre distopia, feminismo e religião como forma de controle]
PARTE I
Meu primeiro contato com #OContoDaAia foi quando a primeira temporada da série estreou em meados de 2017, a série era uma adaptação de um livro distópico escrito por #MargaretAtwood e acompanha uma distopia futurística seguida de uma guerra civil americana onde uma sociedade autoritária controla cada passo de seus habitante utilizando religião e fé depois que um atentado tirou a vida dos governantes dos EUA, e como decorrência desse regime as mulheres perderam todos seus direitos e são divididas em classes, desde as Esposas até as que dão nome ao livro, as Aias (mulheres férteis que são obrigadas a terem os filhos dos poderosos, e agora mais de dois anos depois consegui ler o livro.
O livro segue a história de Offred que está em seu segundo posto, sendo obrigada a servir como Aia para um casal poderoso da república de Gilead, durante a narrativa seguimos sempre tendo ela como narradora, vemos o nascimento do regime totalitarista até as características mais marcantes daquilo.
Um dos maiores trunfos do livro na minha opinião, é conseguir fazer com que a protagonista seja muito relacionável, desde a primeira página somos tragados para a história dela e em nenhum momento deixamos de nos importar com ela. Outro ponto muito bom é como a autora consegue mesclar vários acontecimentos em um mesmo capítulos, flashbacks e lembranças são colocadas de maneira delicada e bem doloridas pra falar a verdade.
Outro grande trunfo da narrativa é como a história parece não ter um pano de fundo temporal definido, sabemos que o livro foi escrito da década de 80 e que logo no final temos uma data futura definitiva, porém a história principal pode se passar em qualquer época o que é bastante assustador. Uma critica também que a autora faz que merece destaque, é como os religiosos fervorosos utilizam a bíblia para controlar e punir as pessoas, porém só usam as partes que bem entenderem, me lembrou até certas pessoas.
O único ponto que me deixou incomodado, creio que essa nem seja a palavra certa, acho que intrigado é a melhor, foi o fato de que muitas informações são apresentadas de maneira superficiais e deixam margem para mais perguntas do que respostas, porém é compreensível visto que seguimos uma narradora que também tem as informações que nos é passada.
Antes de finalizar, tem dois momentos no livro que merecem destaques, o primeiro é o momento em que a Offred fala que a questão do regime totalitário foi instaurado aos poucos, desde o dinheiro das mulheres tirado aos poucos até as demissões e as perseguições, foi gradativamente acontecendo. E outra citação bastante pontual é quando a Offred pergunta para o comandante sobre o começo de tudo aquilo e o porque deles terem feito aquilo e o comandante fala “Pensamos que estávamos fazendo o melhor, mas melhor nunca significa melhor para todos, sempre significa pior para alguns”. Isso é muito importante, visto que não é porque alguém é privilegiado que outras pessoas dividam de seus privilégios, é uma questão para questionar o nosso lugar dentro do ambiente que vivemos.
Com uma trama extremamente pontual e com personagens fortes e interessantes, O Conto da Aia é uma leitura quase que obrigatória para as pessoas, porque além de colocar em cheque convicções que possamos ter nos abre os olhos para as pequenas coisas que deixamos passar no cotidiano, desde a violência contra os marginalizados e excluídos até as pequenas baixadas de cabeça que damos. É necessário lutar pelos nossos direitos antes que estejamos dizendo “Abençoado Seja O Fruto”.
Quando eu estava escrevendo a resenha d’O Conto da Aia, algunaspectos importantes acabaram ficando de fora e por isso achei que era necessário falar um pouquinho sobre eles que complementam ainda mais a resenha.
O primeiro é sobre privilégios, eu como um homem branco sei muito bem dos meus privilégios quanto a sociedade da qual faço parte, porém sei também que como jovem queer dentro de uma sociedade preconceituosa e vindo de uma família classe baixa também tenho meus percalços, mas porque falar disso? Falo disso porque O Conto da Aia é um livro que com toda certeza ira tocar muito mais as leitoras femininas, mas isso não quer dizer que os homens não consigam se sentir espelhados pela história de Gilead, eu queria deixar bem claro que a palavra feminismo não restringe a história em um nicho feminino e por isso é tão importante que homens também entendam que o feminismo não é uma questão das mulheres terem mais que os homens e outras bobagens que me dói os olhos ler, pelo contrário, quando um homem pratica qualquer tipo de violência contra quem quer que seja, há todo um background por trás daquilo e por isso é tão importante ir a fundo nisso, mas entender o local de fala de cada um, todos nós passamos por dificuldade e cada um de nós sabe o que passou para chegar até o dia de hoje, mas é sempre necessário reconhecer dos degraus do privilégio.
E por fim outro ponto muito importante a respeito do livro, é que em dado momento a Offred relembra uma conversa a respeito de como para as próximas gerações, toda aquela questão ditatorial de Gilead será de muito mais fácil absorção, visto que as mulheres e homens já terão nascidos dentro dali, por este motivo que é proibida a leitura, quando lemos e aprendemos sobre períodos do qual não fizemos parte conseguimos sentir o que aquelas pessoas sentiram durante aquele período, é aquela velha questão de não repetir os erros do passado. Ao proibir a leitura e os livros em geral, Gilead não só impede as mulheres de aprender, mas também as impede de ser, uma vez que elas deixam de ter identidade e de poderem contar suas histórias elas não existem, e mulheres/pessoas que não existem, não podem ser encontradas. Uma vez eu assisti uma palestra do Andrew Solomon em que ele fala que os que nos faz humanos é a oportunidade de contarmos nossas histórias, e frisa que o que constitui nossas identidades são essas histórias, as histórias que contamos, então é muito importante que possamos ter a oportunidade de contar nossas histórias desde as pessoais até mesmo as profissionais porque uma vez que passamos essas histórias para a frente deixamos de estar e passamos a SER.