Beatriz Machado 21/06/2022
contexto histórico para quem está perdido + explicação do que é o homem supérfluo
"Ao longo de toda a minha vida, sempre encontrei o meu lugar ocupado, talvez porque não o procurasse onde deveria fazê-lo.", eis o homem supérfluo. (EXPLICAÇÃO AO FINAL DA RESENHA)
Ok, eu amo literatura russa e sou suspeita para falar sobre incontestáveis autores. Antes de mais nada, para entender os clássicos russos, é preciso compreender o contexto histórico da época em que o(a) autor(a) estava vivenciando, isso porque ele(a)s conseguiam retratar de forma incrível o momento. No caso de "Diário de um Homem Supérfluo", o contexto histórico ganha uma ampliação.
INTRODUÇÃO:
No Brasil, durante a Ditadura Militar, os grandes artistas passaram pela censura, obras musicais, literárias, teatrais e etc, eram censuradas com a finalidade de evitar a influência destes na sociedade (não estou aqui para discutir sobre isso), e na Rússia não foi diferente. O Império Russo, URSS e a atual Federação Russa eram, e ainda é (Rússia atual), cercados de censura, inclusive o próprio livro o qual resenho neste momento foi censurado à época.
Mas qual o motivo da censura? O homem supérfluo! Quem é este? É basicamente um jovem aristocrata de alto valor moral, inteligente, instruído conforme à época, teve contato com a modernidade, possuía princípios iluministas, liberais etc etc e que não consegue externar aquilo que ele entende como certo. Inclusive, estes jovens aristocratas saíam da Rússia para estudar (vou destrinchar isso mais abaixo), por exemplo, e retornavam ao seu país e percebiam que sua sociedade estava completamente atrasada frente ao que viam no exterior.
CONTEXTO HISTÓRICO:
A Rússia no início do século 19 era um país extremamente agrário. Se retornarmos ainda no tempo, no século 17, por exemplo, durante o reinado do czar Alexei, pai do que viria a ser o czar Pedro (aquele lá citado por Putin), Moscow era completamente atrasada: casas de madeira, ruas de madeira, violência constante e etc. Entre os séculos, percebe-se a lentidão da Rússia em tornar-se minimamente moderna, mesmo tendo Pedro como um pontapé inicial importante para esse momento. Não obstante a isso, a Rússia também era despreparada, principalmente militarmente. Ainda no contexto do século 17, por exemplo, temos a Rússia perdendo Kiev (atual capital da Ucrânia) para a Polônia (depois retorna), tínhamos a campanha na região do que viria a ser a Criméia perdida três vezes (Império Otomano), que levou a raiva dos próprios russos, do czar Pedro quando ainda possuía tenra idade e posteriormente contribuiu, em parte, para a queda a regente Sofia. No século 19 temos Napoleão indo atrás da Rússia com a finalidade de conquistá-la, porém a elite agrária (que possuía títulos militares) era completamente inoperante e os russos só conseguem ganhar a guerra por conta do… inverno, do famigerado inverno russo.
[nota de rodapé inexistente: acharam que somente os nazistas perderam pra rússia por causa do inverno? acharam errado: até napoleão perdeu e ainda o rei carlos xii da suécia havia perdido o seu exército para o "suave" inverno russo anteriormente, falta de aviso que não foi]
Passando mais para frente, houve o tratado de paz entre a Rússia e a França. Uma parte da elite russa esteve na França para assinar o tratado de paz e retornou posteriormente à Rússia. Lembram o que eu falei sobre os russos saírem de seu país para irem para o exterior? Esse era o momento: não só para assinarem o tratado, como também estudarem, conhecerem aquele país e os demais. No mais, encontraram uma Europa em plena Revolução Industrial (que iniciou na segunda metade do século 18 e foi concluída no século 19), e ainda com Constituição em seus países! Sei que isso não tem nada a ver com os russos, mas por exemplo, houve uma revolução liberal em Portugal. Então assim, era uma outra Europa, e a Rússia estava completamente deslocada da realidade da época. Desse modo, os russos queriam levar tais ideias ao seu país, mas não puderam por conta da repressão do czar Nicolau I, e aqui surge o homem supérfluo.
PAIS E FILHOS, livro de Ivan Turguêniev:
Após ler “O Diário de um Homem Supérfluo”, sugiro que leiam “Pais e Filhos” (eu li antes, mas enfim) do mesmo autor, isso porque a geração dos pais no livro é, basicamente, na minha visão, a geração dos tais homens supérfluos. São pessoas que conseguiram mudar em NADA na sociedade russa em virtude da repressão e censura do czar. Já a geração dos filhos é uma geração niilista (o livro vai tratar muuuuuuuuuuuuuito sobre isso), isto é, que a vida não possui um sentido, que o ser humano não tem uma função na terra etc, é uma geração completamente cética. Os filhos olham para seus pais e vêem que estes foram uma elite que não conseguia nada com nada e tudo isso vai servir de pano de fundo para a famosíssima REVOLUÇÃO RUSSA.
Por isso, gente, que é sempre bom vocês, antes de começarem a ler um livro sobre literatura russa, atentem ao contexto histórico. Se forem ler “Oblomov” de Ivan Gontcharov, vai haver um tiquim do homem supérfluo, “O Idiota” de Dostoiévski idem. Então antes de tudo, vejam o ano, busquem quem era o czar, como a sociedade se comportava, se havia alguma movimentação, tudo isso vai servir para compreensão da literatura russa :)
CITAÇÃO:
"Ao longo de toda a minha vida, sempre encontrei o meu lugar ocupado, talvez porque não o procurasse onde deveria fazê-lo"
Não vou me estender demais porque já há muito texto aqui, mas quem leu, vai perceber que o Tchulkatúrin vivia um amor não correspondido e ele sempre se colocou em cima do muro, ele sempre esperava que a vida resolvesse para ele os seus b.o, inclusive amorosos. Nesse momento, surge um concorrente um pouquinho a sua altura, senão muito, isto é, Tchulkatúrin encontrou seu lugar ocupado, porque não procurou sequer declarar-se à Liza. É dessa forma que um homem supérfluo agiria: fazendo nada.