pavezijoao 19/05/2024
A injustiça em qualquer lugar do mundo é uma ameaça à justiça em todo o mundo
Trata-se de um livro de leitura fácil, didática e consideravelmente simples. A obra é formada por 10 capítulos, cada um sendo retirado de algum discurso ou entrevista proferidos pela Angela Davis, todos tendo certa relação entre si nos temas. Em razão disso, não há um aprofundamento muito extenso no conteúdo, porque esses meios não o permitem.
Dito isso, gostei muito da visão acerca da solidariedade transnacional, entendendo que as lutas não devem nunca ser vistas de maneira isolada (tanto do ponto de vista do isolamento geográfico quanto do ideológico), isto é, deve haver uma interseccionalidade de lutas, um projeto amplo e conectado, para se buscar efetivo resultado. Nesse sentido, Angela Davis cita Marthir Luther King: "A justiça é indivisível. A injustiça em qualquer lugar do mundo é uma ameaça à justiça em todo o mundo".
Do mais, interessantíssima a visão dela acerca de como a ideologia neoliberal nos inclina ao individualismo de tal forma que, quando diante de algum caso de violência policial racista, por exemplo, voltamos nossa atenção à busca de uma punição (uma vingança, nas palavras dela), contra aquele policial. A autora, de maneira muito pontual, manifesta-se de maneira contrária a esse posicionamento, não por entender que aqueles que cometam racismos não mereçam ser punidos, mas por ressaltar que a resolução não se encontra neste ou naquele indivíduo, mas no todo. Portanto, não há como direcionar nossa insatisfação em relação ao racismo contra apenas um de seus perpetradores (algo que seria um ataque à consequência, ao invés de à causa, tendo em vista que esses policiais são influenciados pelo racismo também, enquanto agentes do Estado). Deve-se, na verdade, direcionar-se contra as condições socio-históricas que culminam nestes atos, permitindo-os e normalizando-os sobremaneira.
Da mesma forma, Angela Davis também critica o posicionamento de feminismos que creem que a solução contra o patriarcado seja, tão somente, aprisionar e apenar aqueles que perpetram violências de gênero. Este entendimento apenas elege a criminalização e a violência estatal como solução una para problemas que não devem sem vistos isoladamente. Ao invés de ajudar, apenas reproduzem a violência.
Outra questão crucial da Angela Davis é sua fala acerca do Obama. Muitos teriam acreditado que a eleição de um Presidente negro nos EUA levaria à uma era pós-racial. Para a autora, uma crença tão inocente é um sinal de que não se discute e fala de racismo como se deveria, que o debate está pouquíssimo avançado. Nessa ótica, não se fala da classe trabalhadora, de racismo, de capitalismo. Deve-se buscar reintroduzir esses discursos no dia-a-dia, normalizá-los, caso se busque um ativismo que logre resultados.
Por fim, outro ponto importante é a visão da Angela Davis sobre as diferenças entre "liberdade" e "direitos civis". Para a escritora, a liberdade se trata de algo muito maior que direitos civis. Dessa forma, muitas vezes se busca "encaixar" o conceito de liberdade àquele dos direitos civis, de maneira a limitá-lo. Liberdade é também liberdade econômica, é também uma questão de saúde, moradia e educação para todos. A abolição da escravidão pode ter trazido direitos civis, mas a liberdade permanece sendo uma luta constante.