Xande 28/04/2017Resistência"Apesar de ser apenas uma menina, eu tinha alguma ideias sobre a violência. A violência tinha um horizonte, um cheiro, uma cor, eu tinha visto em livros e noticiários filmados, mas só fui realmente conhecê-la quando vi seus efeitos em Zayde, quando o vi descer para o nosso lar no porão do gueto com um trapo vermelho cobrindo o rosto, quando vi mamãe fazer em silêncio o curativo no nariz dele com um pedaço de pano rasgado da bainha da camisola dela…"
Resistência é o primeiro romance publicado de Affinity Konar. De ascendência polonesa-judaica, a autora de 39 anos vive atualmente na Califórnia, tem Mestrado em artes e Ficção pela Columbia University. A trama é ambientada em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, em Auschwitz. Por tratar-se de uma ficção histórica, a autora incorporou em seu romance personagens reais e ficcionais, inspirando-se, para a criação das principais personagens, a comovente história das irmãs gêmeas Eva e Miriam Mozes.
O livro dispõe de duas partes que são subdivididas em capítulos; narrados ora por Pearl, ora por Stasha, protagonistas da história. Na primeira parte temos a narrativa dos fatos acontecidos dentro de Auschwitz até o começo da sua queda, em 1945. Na segunda são apresentados os fatos ocorridos durante e após a queda do campo.
Se o que aconteceu nos campos de concentração já foi desumano, em Auschwitz, atrocidades maiores aconteceram pelas mãos do sádico médico alemão Josef Mengele. Por serem gêmeas, as meninas são levadas para o seu “zoológico” particular, pois, assim como o nanismo, o gigantismo e o albinismo e a fim de servirem como objetos de suas experiências macabras e insanas, crianças gêmeas também despertavam a curiosidade e o interesse do “Anjo da Morte”, como o médico era conhecido.
No zoológico as meninas têm a sua infância roubada, tendo como escape apenas os jogos criados outrora pelo seu avô, assim, elas “fugiam” dos horrores do campo e mantinham a esperança de serem livres novamente. Se os números em seus braços se encarregavam de tirar-lhes a individualidade, o Pai dos Gêmeos (responsável por supervisionar todos os gêmeos do campo, entre outras atribuições) esforçava-se em manter a identidade de cada criança, fazendo sempre a sua chamada, um a um, todos os dias pelos seus reais nomes.
"– Sua primeira tarefa na aula é aprender os nomes das outras crianças. Recitem os nomes uma para a outra. Quando chegar uma nova criança, aprendam o nome dela também. Quando uma criança nos deixar, lembrem-se do nome dela também."
Assim como o Pai dos Gêmeos, a doutora Miri – uma médica judia que curiosamente tinha o respeito de Mengele – era uma guardiã que, mesmo tendo que prestar serviços para o médico, fazia tudo que estivesse ao seu alcance para cuidar e proteger as crianças dos ataques e abusos da enfermeira Elma, a sua antítese.
Dois meninos também são muito importantes para as gêmeas. Entre eles é criado um laço muito forte de amizade e cumplicidade. Stasha alia-se a “paciente”, um garoto cujo irmão morreu e que, com o tempo, associa-se à Stasha em sua busca por vingança. Pearl tem como aliado Peter, um menino inteligente e astuto que consegue se esgueirar por todos os cantos do campo, tornando-se a pessoa capaz de conseguir qualquer coisa, para qualquer um, sendo assim, uma figura muito conhecida e admirada por todas as crianças do campo.
Com capítulos curtos e linguagem simples, o leitor é convidado, em Resistência, a testemunhar os horrores praticados dentro dos campos de concentração através dos olhos esperançosos das meninas que, arrancadas da família, viram na existência uma da outra razão para continuar lutando e buscando junto com outras crianças a tão cara e desejada liberdade.
Affinity minudencia com precisão as mudanças comportamentais, psicológicas e pessoais das meninas na medida em que elas são submetidas às privações do campo e aos experimentos de Mengele. Para sobreviverem, além de adotarem as táticas das crianças residentes no “zoológico” para complementarem as refeições e fugirem das idas às enfermarias, as suas personalidades passam por transformações e adaptações que serão essenciais para manterem-se lúcidas durante a angustiante estadia sob o jugo do “Anjo da Morte”.
Se Resistência nos mostra o lado mais negro que pode existir na humanidade, através dos extermínios, experimentos médicos e subjugação da raça humana, também nos mostra o melhor que cada um pode ser, na solidariedade, na piedade e no amor, mesmo em um lugar onde impera a dor e o sofrimento.
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https://garimpoliterario.wordpress.com/2017/04/18/resenha-resistencia-affinity-konar/