spoiler visualizarsbiamoura 08/09/2023
O sistema falhou e continua falhando.
Desde pequena meu olhar sempre se direcionou ao sistema carcerário, sempre senti um sentimento de insatisfação com o sistema e com a forma que ele tratava os presidiários, na minha concepção era injusto tratarmos como invisíveis pessoas que apenas tinham sido abandonados pelo sistema desde que nasceram. Mesmo com esse sentimento, eu não tinha noção de quão complexo era o sistema judiciário e nunca tinha pensando em presidiárias que eram mães, muito menos em suas crianças. Esse livro me fez pela primeira vez na vida ophar pra elas e pros pequenos, que mesmo antes de nascer, já estavam condenados a uma gaiola, já nasciam carregando rótulos dos erros dos seus pais e dos erros do sistema.
Dentre todas as mulheres retratadas na série, a Safira foi uma das que mais me chamou atenção e me fez sentir a vontade de acolher nos braços aquela Safira de 13 anos que se relacionou com um homem mais velho, me deixou com vontade de pegar nas mãos dela e mostrar que os estudos valiam sim a pena, que gastar a vida na escola não era uma bobagem e sim algo que iria a salvar. Mas ao mesmo tempo, eu também quis gritar pro sistema o quanto eles obrigavam jovens como safira recorrerem a criminalidade, queria gritar como é cruel tudo isso. Me doeu a alma ver a falta de comida dentro de casa pros filhos, me doeu mais ainda saber que essa é a realidade de uma grande parcela da população brasileira.
Um outro tópico que me embrulhou o estômago era do tratamento que as presidiárias gravidas recebiam, de como a polícia e a comunidade estendia a condenação da mãe para as crianças. A visao limitada de acharem que era só mais um vagabundo que vinha ao mundo ao invés do olhar de querer mudar a vida desse pequeno que nasceria, me revoltou, mas também me fez querer lutar por eles, me fez querer ajudar pelo menos uma dessas crianças e lutar por eles, que mesmo tão pequeninos, carregavam tantas coisas nas costas.
um trecho que me fez pensar bastante foi esse: Os crimes cometidos por mulheres são, sim, menos violentos; mas é mais violenta a realidade que as leva até eles...
um outro trecho que me doeu foi esse: Entre uma contração e outra, ela foi observando a rua, as pessoas que olhavam o carro com medo, com curiosidade, com hipocrisia. A ninguém importava Gardênia ou o bebê que carregava. Eles eram o resto do prato daquela sociedade. O que ninguém quis comer. E seu fi lho já nascia como sobra.
ambos destacam a parte mais cruel da humanidade e me arrisco a dizer que a mais injusta, o Estado os jogam nessa situação e depois a população os desejam a morte, que hipocrisia.
A Gardênia sendo tratada como "gente" também me emocionou, me fez querer ser uma profissional como aquela doce médica, me fez querer ser mais humana para todos que cruzarem o meu caminho, principalmente os mais necessitados. Me doeu ver como ela foi afastada da filha e se despediu de forma cruel.
boa parte do livro me tirou as palavras e um deles foi esse: Falam das grávidas que viveram as angústias do parto em celas úmidas e depois viram seus bebês nascerem presos porque ninguém se importou de levá-las a um hospital para dar à luz. Na capital de nosso país. Falam da frieza dos carcereiros que permitem que muitas cheguem ao desespero do suicídio sem nunca encaminhá-las a um psiquiatra.
A separação de mae e filho é algo cruel, a parte em que ela fala que para o Estado, o amor dessas mães pelas filhas não valiam nem uma fitinha colorida, me pegou bastante e mais uma vez me deixou perplexa com o Estado e sua negligência constante.
"Bater em grávida é algo normal para a polícia ? respondeu Aline.
? Eu apanhei horrores e tava grávida de seis meses. Um polícia pegou uma ripa e fi cou batendo na minha barriga. Nem sei qual foi a intenção desse doido, se era matar o bebê ou eu."
"Michelle, já de barrigão protuberante, apanhou de uma escrivã, outra mulher. Na hora da detenção, Mônica recebeu socos de um policial, que disse que fi lho de bandida tinha que morrer antes de nascer."
(essas partes me fizeram perder um pouco mais da fé que eu ainda tinha no sistema judiciário.)
"Com sua arma, se vingava do mundo que a fez pobre, que a fez frágil, que a fez mulher. Quem era fraca agora? Quem tinha medo de quem?
Quem estava sem escolha? Não era ela. Não era. Nunca mais ia ser."
(esse trecho tbm é surreal e reflete muito sobre a nossa sociedade.)
"começa a praguejar contra a diretora, o superintendente, o sistema e a presidenta. Acho que culpou também a imprensa e a mim, por não nos importarmos o suf i ciente. E, em seguida, quase me fez desmaiar:
? Eu, por exemplo, estava grávida. Perdi meu fi lho faz dez dias, sangrei feito porco e ninguém fez nada, não vi um médico. Agora, tô aqui cheia de febres. Vai ver o corpinho tá apodrecendo dentro de mim."
(me dói o estômago ver como falhamos com essas mulheres e principalmente com essas crianças que nasceriam ou nasceram.)
Um dos pontos que mais me agradam no livro e na sua escrita, é que em momento nenhum a autora quis colocar as presas como vítimas ou como culpadas, e muito menos os guardas das prisões, ela retratou as histórias escutadas de todos os lados.
"? Atuo dentro dos presídios paulistas há mais de trinta anos e não me considero especialista em presídios ? prosseguiu. ? Sei que você é inteligente, deve ter lido muito sobre o tema e entrevistado muita gente.
Mas para você conhecer uma pessoa, precisa de tempo. Precisa comer um pacote de sal juntos, como dizia o meu pai. As histórias que ouviu, foram as que elas quiseram te contar. Histórias em que elas acreditam porque repetiram muitas vezes, visando a liberdade. Ou seja: são ficções. O pior ser humano dentro da cadeia se considera vítima, injustiçado."
(nesse trecho isso fica mais do que claro.)
"Ó, Gardênia, iria eu, entre tantos, acreditar na sua versão? Será que você mesma sabia se havia matado ou não Willian ou estava tão drogada que não lembra dos fatos? Seria para isso que queria meu gravador emprestado para registrar o que diz no sono? Será que assim se daria a conhecer a verdade?
Obviamente existiam pessoas capazes de fazer algo do tipo, mas Gardênia? Pessoas abstratas fazem coisas cruéis assim, não essa gente de carne e osso com quem a gente bate papo e gargalha num refeitório. Ou faz?"
(- depois de ler o crime da Gardênia me senti como a autora, no decorrer do livro ja tinha me permitido ser encantada pelo jeito de Gardênia, pela suas risadas que ate conseguia sentir e pelo seu jeitinho, senti de certa forma o meu coração se dilacerar de decepção.)
(uma outra parte que deixa claro que a jornalista não tomou partidos foi esse: no mundo: a verdade da presa, a verdade do juiz, a verdade da vítima. E não é que ela está mentindo, mas é que, na cabeça dela, aquilo é verdade. É a verdade da qual ela se convenceu. Outro dia tive uma conversa fascinante com uma moça que está respondendo por sequestro.
Ela disse: ?Não, eu tenho fé que vou embora quando chegar o julgamento.?
?Por quê?? ?Porque eu já estou há sete meses aqui, mas eu não fi z o sequestro.? ?Qual foi sua parte, então?? ? Ah, eu dei café da manhã, às vezes falava com a vítima, mas ela não pode me reconhecer.? Claro que podia, reconhecer a voz, o corpo. ?Mas eu não sequestrei?, ela dizia. Porque, na cabeça dela, o sequestro aconteceu na hora que pegaram a mulher e colocaram no cativeiro. E eu falei: ?Mas a mulher fi cou quanto tempo com vocês?? ?Seis meses.? ?Você percebe que essa mulher vai carregar isso para o resto da vida? E que a família também fi cou traumatizada por seis meses sem saber nada dela? Você tem fi lhos?? ?Tenho.? ?E se alguém fi zesse isso com um dos seus fi lhos?? ? Ah! Eu me mataria.? E quer saber? Ainda assim se achava inocente do sequestro.)
(Falta? Se você soubesse a quantidade de presa que sai em liberdade e vem depois de uma semana chorar aqui que não consegue emprego, não tem pra onde ir e me implora pra voltar, eu vou te dizer...)
- essa parte mostra claramente a falta de oportunidades, o livro mostra que o sistema falha antes da mulher se envolver no crime, falha quando ela se envolve e ate mesmo quando ela tenta sair.
Uma outra pessoa que me encantou e me partiu o coração foi a Júlia, queria abraçar ela e mostrar todas as coisas boas do mundo, toda a beleza do mundo.
"Para Júlia, sua colega de cela nunca devia ter sido colocada na cadeia, mas abraçada, ensinada e cuidada como nunca foi na vida. Ela havia nascido na rua e se tornado pedinte na primeira infância para sustentar o vício da mãe em crack. Aos 7, a mãe achou por bem introduzir a fi lha à sua maior alegria: estendeu-lhe o cachimbo, ensinou-a a acender a pedra e tragar."
minha visão final é que definitivamente esse é o meu livro favorito e o que mais me partiu o coração, o que mais me fez querer cuidar das pessoas e mudar o sistema, acho que todos deveriam ler e a escrita da Nana Queiroz é tao sincera e realista que dói.