@literatoando 30/03/2020Bom, até certo ponto...O livro, escrito por uma jornalista e ativista, se propõe a exposição da situação deplorável que as mulheres encarceradas estão sujeitas no sistema prisional brasileiro. O tema, por si só, me interessou logo de cara; gosto bastante de ler sobre o assunto, principalmente por não considerar o encarceramento a melhor solução e compreender o funcionamento dele faz com que os argumentos que embasam essas minhas convicções se solidifiquem.
A narrativa, embora passeie pela história de diversas mulheres, acompanha principalmente 7 delas: Safira, Gardênia, Júlia, Vera, Camila, Glicéria e Marcela. Suas trajetórias são dolorosas e impactantes; a escrita da autora envolve a pessoa que lê; são tecidas críticas assertivas a respeito das condições prisionais a que estas mulheres estão expostas; a discussão a respeito das mulheres grávidas em cárcere é extremamente interessante e importante de ser levantada; e tem trechos que despem o leitor e gera reflexão quando escancara o descaso social de forma nua e crua.
No entanto, muitas coisas faltaram e outras tantas me incomodaram no decorrer da leitura. Senti falta de diversas informações sobre as mulheres, seus sentimentos e suas motivações, além de uma separação mais concreta sobre o que estava sendo dito (até que ponto aquilo era a opinião da autora ou depoimento da mulher encarcerada). Acrescenta-se a isto o déficit de um aporte teórico mais extenso e dados censitários (identidade étnico-racial, por exemplo) que embasassem o conteúdo do material recolhido e uma análise profunda, com um pensamento linear e sistemático sobre a situação das mulheres, dentro e fora do cárcere, com uma abrangência ampla, que abarcasse a conjuntura político social em que estamos todos inseridos - quando a autora narra as situações difíceis anteriores ao período em que elas passam na cadeira, parece não fazer sentido estarem ali quando não é feita essa análise posteriormente, ainda mais quando podem soar como mera escolha daquelas pessoas, sendo que a falta de oportunidade e discursos meritocráticos são o que as circundam e as impelem. Por fim, mas não menos importante, queria ter visto instrumentos/ferramentas de análise social sendo postos em prática. Agora, com relação ao que foi escrito e me incomodou, temos alguns exemplos, como: a descrição e o juízo de valor a respeito da compleição física das pessoas; sexualização da Safira aos 14 anos, ao relatar que ela começou a se envolver com Josiel (13 anos mais velho, ou seja, um pedófilo), a descrevendo da seguinte maneira à época: ?A pobreza não fazia pouco da beleza de Safira, que tinha olhos sedutores e a boca carnuda. O corpo era feito desde muito cedo.?.; a generalização exacerbada, por exemplo, quando ela diz: ?Quando um homem é preso, comumente sua família continua em casa aguardando seu regresso. (...) Enquanto o homem volta para um mundo que já os espera, ela sai e tem que reconstruir seu mundo.? - de quais homens ela fala? será que homens negros e periféricos encontram o mundo de braços abertos assim os esperando?. Existe também uma associação recorrente da figura feminina com a maternidade, como se aquilo fosse intrínseco ao gênero. Em um trecho que me incomodou bastante nota-se a animalização de um corpo em situação de abandono, no seguinte trecho: ?Um senhor louco, morador de rua, começa a falar sozinho e coçar a perna pulguenta como um cachorro.?. Em um capítulo intitulado ?Efeito Suzane?, a autora conta como Suzane von Richtofen tem uma forma de agir magnética, quase sobrenatural, que muitos homens caem aos pés dela e ao narrar que ela já denunciou alguns destes por assédio, logo após ter relatado esse ?jeito enfeitiçante? dela, praticamente descredibiliza as acusações de violência que ela diz ter sofrido, além de através da descrição desse ?efeito? desumanizar a mulher, que foi condenada por participar do assassinato dos pais, mas que não é um monstro, porque monstros não existem. Para finalizar, me incomoda o julgamento, com base em seus conceitos de moralidade, com relação à Gardênia ao descobrir o crime que a colocou ali, já que este foi baseado no que foi lido em papéis, sem que houvesse uma conversa entre elas sobre isso.
Ou seja, a discussão a respeito da situação das mulheres encarceradas no Brasil é importante, mas ela tem que vir acompanhada de uma análise sociológica profunda, sem isso, como pensar em medidas que podem ser tomadas no macro? No mais, me trouxe algumas reflexões interessantes, dou 2 estrelas de 5.