jota 12/08/2015Jornalismo zeroNúmero Zero em jornalismo significa o exemplar experimental para o lançamento de um jornal ou revista e é destinado especialmente para agências de publicidade e anunciantes em potencial. Serve de teste para o exemplar número 1 e demais, que futuramente circularão também entre os leitores.
Esta ficção (amplamente calcada na realidade) reúne uma série de personagens curiosos que participam da criação do número zero de um jornal que jamais circulará, o Amanhã. E mais: ele terá não apenas um número zero, mas também um número zero um, zero dois, zero três...
O Amanhã não tem a missão de informar; como diz a sinopse da Record “(...) seu objetivo é chantagear, difamar, prestar serviços duvidosos a seu editor.” Poucos sabem disso, claro. Estamos então em Milão, numa década emblemática para os italianos, os anos 1990.
Foi em 1992 (quase todo o livro se passa nesse ano) que teve lugar a operação Mãos Limpas, envolvendo magistrados, políticos, religiosos, empresários, mafiosos etc. e com a qual a Lava Jato de nosso herói o juiz Sergio Moro e equipe tem forte ligação. Lá teve o juiz Giovanni Falcone, que foi assassinado naquele ano. Os mafiosos não perdoam...
Em certo momento um dos personagens cita Copacabana, imaginando que a Itália daquela época um dia pudesse se tornar um país de Terceiro Mundo igual ao nosso, pleno de corrupção. Ou como outro país sul-americano qualquer, em que as aberrações políticas e outras são vistas como “a normalidade”.
Número Zero conta uma história mais ou menos policial (um dos jornalistas é assassinado) - ou política, talvez fosse melhor afirmar isso. Embora no fundo seja mesmo uma paródia que fustiga o mau jornalismo, as teorias conspiratórias e certos vícios jornalísticos.
Dentre eles o emprego de expressões tais como “no olho do furacão", "um duro revés", "com a água no pescoço" e outras. Cansamos de ouvir repórteres de tevê falar em “último adeus” ao morto quando alguém famoso morre, não? E “criança de zero ano” tem muita no Brasil. “Década emblemática” que usei acima acho que também deve ser evitada, mas não sou jornalista...
Pela contemporaneidade e demais características literárias, por ser pouco volumoso etc., Número Zero não lembra quase nada outras obras bastante conhecidas de Umberto Eco como, por exemplo, O Nome da Rosa ou O Pêndulo de Foucault.
Além de inúmeras referências à política italiana dos anos 1990, também traz uma história curiosíssima envolvendo o cadáver do ditador Mussolini, a Santa Sé, a Argentina etc. É quando a ironia e até certo humor invadem alguns parágrafos desta história aparentemente simples. Somente aparentemente simples...
Lido entre 08 e 12/08/2015.