JoaoPedroRoriz 23/01/2015
CHICO BUARQUE SOBREVIVE DE SEU MITO E ESCREVE LIVRO “SEM PULMÃO”.
Por João Pedro Roriz.
Chico Buarque é um ídolo de várias gerações. Como compositor, é quase uma unanimidade. Seus insucessos na música são tão raros que se tornaram hits. A "voz chinfrin" do Chico, tão criticada no passado, com o tempo se tornou aprazível e sedutora. Nos quedamos paralisados por sua desenvoltura, pelas obras de caráter social e político e pela facilidade com que discorre sobre os anseios femininos.
O que seria da MPB sem Chico Buarque? Mas na literatura, o gênio tem decepcionado. E muito! Seus livros são sucesso, mas graças ao mito de seu autor. Apesar de ser muito respeitado como dramaturgo, o autor de Gota d'água, Morte e Vida Severina, Opera de Malandro e Saltimbancos tem falhado como romancista.
Budapeste marcou a carreira de Chico, pois apresentou uma curva de amadurecimento literário. Aquele exercício textual ganhou admiradores no mundo todo e recebeu elogios de Saramago - criador do estilo literário no qual Chico se inspira para escrever seus livros com parágrafos longos e com diálogos sem travessão implícitos na própria narrativa. Chico escolheu bem o seu mestre, mas agora parece estacionado na categoria de aprendiz. Sempre muito sincero, já tinha causado estranheza no público ao declarar na FLIP seu descontentamento com a arte literária: "escrever é muito chato". Até aqui, tudo bem. O ofício do escritor não pode ser confortável demais. Mas a prova concreta da burocratização da arte literária de Chico veio através de Leite Derramado, lançado pela Cia das Letras. A obra foi um sucesso de vendas e recebeu o Jabuti. Mas o grande público, aquele que ama Chico – mas que não pertence ás altas classes intelectuais – sentiu a diferença em relação a Budapeste e em relação à sua forma de se comunicar com as pessoas. Chico parecia onipotente, onipresente, confabulando com a mesquinharia literária de grandes autores de outrora que parecem querer sobrepujar o próprio ego em detrimento das novas linguagens e do prazer universal e pleno de quem lê. A obra foi aclamada, é lógico, pois foi escrita em metáforas, projetada para ser uma obra de arte que alcançaria apenas os que se desdobram em lágrimas e sangue para ler um livro. Atrás de tamanho sucesso, a elite literária que tal qual os puxa-sacos do rei não podiam dizer ao monarca que ele estava sem roupa, nu em pelo.
Em O Irmão Alemão, infelizmente Chico parece jogar futebol. Ele está no Politeama, desclassificado para as quartas de final e apenas jogando para cumprir tabela. A obra cumpre bem o papel de existir e persistir para cumprir o irritante contrato com o editor. É possível descobrir na auto-biografia torta de Chico o motivo disso tudo acontecer: A gente esquece, mas Chico é (e sempre será) um menino mimado. Ele se convenceu – e parece querer nos convencer – de que não há limites para ser menino em uma terra paternal de tantas oportunidades. Ele fala com orgulho dos carros arrombados na juventude, de seu papel de comedor de mulheres, da educação liberal recebida pelos pais internacionalmente conhecidos. Evidentemente não podemos acreditar em tudo que o malandro diz neste livro. Existe um quê de romantismo até no ato de roubar carros, seduzir mulheres e ser um espinho no pé dos governantes quando se trata de um filho da meritocracia. É fácil ser comunista quando se nasce em berço de ouro. Não há impeditivos para a genialidade de Chico, é verdade, mas também não há contestações para ela. Esse "O Irmão Alemão" é a prova concreta de que o filho do seu Sérgio Buarque de Holanda está no poder, junto com os líderes do partido criado por sua mãe, o PT. O que ele produzir será um sucesso e eu estou louco de ansiedade para saber como é que o próprio Chico tão sedutor e genial lida com esse vexaminoso e estranho sucesso de seus romances.
O Irmão Alemão, de Chico Buarque, lançado pela Cia das Letras, engaja dois estilos em uma só obra. Trata-se de uma ficção de sua própria realidade - algo que o blindará contra acusações ou mesmo desconfianças. O realismo fantástico de Chico empolga nos momentos de intimidade. É muito bom conhecer esse falso Chico em sua casa, ao lado dos Hollander. O dia-a-dia de seu pai, o grande Sérgio Buarque e suas manias intelectuais nos afrontam e ao mesmo tempo nos seduz. O livro possui harmonia no começa da prosa e um ritmo gostoso que não se apoiam no mito buarquiano . Chico se apega aos jargões de sua música e canta uma cidade, um Estado e um penar com elegância. O conflito prende atenção até a metade da obra, quando começa a perder fôlego. A história gira em torno do filho alemão de Sérgio Buarque que o jovem Francisco descobre ao folhear um dos livros na famosa biblioteca de sua casa. Até esse momento, o livro é um parque de diversões. Mas Chico puxa o tapete do leitor e, a partir do quinto capítulo transforma a saga folclórica em um ritual imaginativo com solilóquios sem fim. A obra se torna chata, pesada, enclausurada em uma prisão de possibilidades que mais parece um rascunho de boa vontade do próprio autor em levar o bendito romance até o fim.
Eu sei, pois segui a mesma trilha que o autor e também perdi o pulmão. Fui até lá nos confins da falta de paciência de Chico para entender o que se passava por sua cabeça. Agora entendi que tinha muita gente aflita por essa obra e Chico, como um bom malandro, mandou "colocar água no feijão". Sempre idolatrei Chico e agora estou frustrado. É o que se diz de um mito: ele deve ser apenas admirado, nunca investigado.
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