Doufe 07/04/2014
Sobre Elfos, Dragões & Sabres de Luz.
Comprei Eragon pois haviam me garantido que era um ótimo livro, e eu estava em depressão pós-leitura. A princípio desconfiei do nome, que parecia uma óbvia referência a Aragorn, e do mapa obviamente inspirado na Terra-Média, só que com geografia e hidrologia impossíveis – os rios nascem no meio do nada e correm para um lago nas montanhas, ou vice-versa, o que é igualmente absurdo! Claro que isso não importa para a maioria dos fãs, pois é apenas uma amostra que ele era muito jovem quando criou Alagaësia. É um mérito, não é mesmo?
Infelizmente, as semelhanças com a Arda tolkeniana são marcantes demais para se passarem pelo mero “beber da mesma fonte” como dizem alguns. Há tantas cópias das releituras dos mitos antigos, e idiossincrasias linguísticas que são particularidades de Tolkien, além do plágio deliberado do enredo de Star Wars de George Lucas, que seria possível escrever uma dissertação a respeito. De fato, artigos na internet não faltam sobre o assunto, por isso vou me resumir a alguns quesitos técnicos pelos quais, mesmo se ignorarmos o fator plágio, a leitura se torna desagradável.
O personagem principal é um tipo de auto-inserção egótica na estória. Eragon (que é obviamente baseado em Aragorn, e sua contraparte romântica, Arya, que é um tipo sonolento de Arwen) é descrito como sendo excepcional em tudo – é um caçador destemido, que consegue atirar várias flechas de uma vez com o Arco etc. Um Ranger tão treinado quanto os Guardiões de Arnor. Mas suas ações não condizem com tal. Suas falas e ações são bastante simplórias. Mesmo com toda a habilidade de possui, ele não consegue caçar nada e precisa comprar comida, só que não tem nenhum dinheiro. E também nenhuma sensatez – uma cena absurda é quando ele tenta trocar uma "pedra" obviamente valiosa, pois é descrita como bela e purpurinada (que mais tarde se mostra ser um ovo de dragão), por um punhado comida.
Não apenas o próprio Eragon é simplório, mas todos os personagens o são. Todos parecem ter a mesma idade. Não existe nem um tipo de marcador de discurso ou elemento intencional que marca falas de diferentes tipos de pessoas, por idade, cultura etc. Todos são exatamente e linearmente iguais e proferem os mesmo tipos de filosofia de traseira de caminhão. Pior que tudo isso, são os diálogos mentais que ele tem com a Saphira – ela é tão melosa e diz coisas do tipo: “Esperei mil anos para ouvir sua voz”. Faz você pensar que está lendo a versão reptiliana de Crepúsculo. E quanto resolve ser feroz, diz coisas pouco naturais como “da próxima vez vou rasgar sua carne”.
O enredo, como mencionado, é basicamente uma reambientação de Star Wars para a Terra-Média. Eragon (Luke) o jovem que mora com os tios, a quem a princesa Arya (Leia) envia um ovo mágico, com o qual ele mudará o destino do Império opressivo sobre aquele mundo (Uma temática da qual gosto - rebeldes, movimentos secretos - mas tratada por Paolini com a profundidade de um jogo ruim de RPG de tarde de domingo). Ele descobre por meio de Brom (Obi-wan) que é o último de uma ordem esquecida de Cavaleiros de Dragão (Jedi) – seu próprio pai (Darth Vader) foi uma peça chave para que Galbatorix (Palpatine) traísse os Jedi e criasse o Império. A diferença entre Darth Sidious e Galbatorix é que Galbatorix, com esse nome, não inspira medo em ninguém (aliás, tive um acesso de riso quando o li pela primeira vez). Não dava para não associar a Asterix e Obelix. Morzan é ainda pior (bela tentativa de usar o radical "Mor"=sombra do Quenya de Tolkien), mas eu, falante de português, só conseguia pensar em "mozão/amorzão". Difícil respeitar.
O enredo é um jogo de tentativa e erro, onde Eragon, apesar de descrito como se fosse excepcional em habilidade, comete inúmeras burradas, só para ser salvo e retirado desmaiado do lugar pelo Ex Machina alado do jogo: Saphira. Aliás, o autor deve adorar desmaios, pois a Elfa, Arya, passa capítulos inteiros desmaiada e sendo carregada como um pacote de arroz por meia Alagadësia. O que, inclusive, é o cúmulo do arquétipo sexista das personagens femininas como meras ferramentas a serem salvas e se tornarem o par romântico inexpressivo que acompanha o herói.
A maior característica do autor, entretanto, sua pretensão. Em entrevista, disse que “almeja uma beleza lírica beirando entre o melhor de Tokien”. Embora Tolkien tenha escrito em diversos estilos a fim de adequar a atmosferas de cada tipo de lenda - Paolini mirou no lirismo mito-poético, mas acabou acertando na verborragia e em diálogos excessivamente bregas. De cada 10 palavras, 12 são adjetivos, e um comentário comum na internet em que o C.P. escreveu os livros com um Thesaurus ao lado. Isso gera uma narração tediosa, diálogos não naturais, e uma comunicação muito truncada com o leitor – solavancos na leitura que impedem a imersão na estória.
Para quem não se importa com plágio, diria que serve como um passatempo. Recomendável para leitores menos exigentes. E que tenham muita paciência em ler descrições imensas da paisagem.
Conclusões: batam na cara de vocês antes de associarem Tolkien a Paolini (risos).