Angélica 23/04/2013Simples, mas divertido"A Livraria 24 horas do Mr. Penumbra" é, ao contrário do que o nome pode sugerir, um livro despretensioso. Não há grandes reviravoltas, frases marcantes, nem nada que você já não tenha visto (ou lido) antes. Apesar disto, a narrativa fluida e leve, somada ao carisma natural de seus personagens, transforma esta pequena aventura em uma viagem deliciosa, perfeita para passar o tempo e desanuviar a cabeça.
Quando vi o romance pela primeira vez, imaginei que seria mais uma história louvando os louros dos livros de papel, com direito a magia e personagens de contos de fadas. Não poderia estar mais errada: a história tem um clima de sitcom americano, com personagens reais, vivendo vidas reais. A magia está somente dentro nos livros - assim como na vida real.
Uma coisa que me surpreendeu positivamente foi descobrir que, ao invés de narrar mais uma história de amantes do livro de papel que resistem bravamente à era digital, a obra segue o caminho inverso, procurando mostrar como a tecnologia pode beneficiar (e muito) a vida dos bibliófilos de plantão, e que, ao contrário do que muitos pensam, os encadernados de papel continuarão sim a ter o seu próprio espaço. Está mais do que na hora dos preconceitos bobos contra o livro digital começarem a cair; se a ficção puder dar uma mãozinha, melhor ainda.
Dito isso, o fascínio do autor com as possibilidades da tecnologia é um pouco idealista demais, apesar de ter bons fundamentos. Durante toda a narrativa ele foca somente nas vantagens do mundo digital, sem parar para comentar seus pontos menos positivos. Masss como isso aqui é um romance turnpager e não uma tese de mestrado, é totalmente perdoável (até porque isso é só implicância minha mesmo, hehe). No mais, é gostoso ver argumentos sobre como a tecnologia pode ampliar o conhecimento humano. Se levarmos em conta que a maioria das pessoas usa este recurso apenas para trivialidades, esse tipo de comentário, mesmo que feito de maneira superficial, pode servir para "abrir a mente" dos leitores sobre os tesouros de conhecimento escondidos internet a fora - o que, convenhamos, é muito legal.
Agora, vamos à narrativa: Temos uma sociedade secreta, livros codificados e gente que realmente acredita que vai encontrar a fonte da vida eterna. Parece um livro do Dan Brown, né? Só que não. Apesar de conter todos estes elementos, a história segue, como eu já disse mais para cima, um ritmo bem próximo à um sitcom: Vemos os personagens indo para lá e para cá, resolvendo questões de suas vidas pessoais e, no meio disso, movendo a trama principal para frente. Há sempre a curiosidade de saber o que vai acontecer depois, mas nada de grandes momentos de tensão, reviravoltas, e cenas dramáticas. É como um dos (raros) filmes bons da "Sessão da Tarde": um desenvolvimento trivial, mas que diverte. O final, apesar de um pouco clichê, é muito satisfatório, e me fez terminar a leitura com uma sensação de bem-estar.
Por fim, chegamos aos personagens. Clay Jannon, o protagonista, é o típico cara comum. Surpreendentemente comum, na verdade. Ele não tem nenhuma habilidade especial e, enquanto seus amigos conseguiram posições de destaque em suas respectivas carreiras, ele continua a levar uma vida medíocre. Mas isso não faz com que se torne um depressivo, tão pouco um obstinado obssessivo, disposto a tudo para encontrar seu lugar ao Sol; ele segue sua vida, experimentando coisas novas, tentando se encontrar, mas sem deixar de aproveitar as "pequenas felicidades" do dia a dia. É raro encontrar um cara comum que, ao mesmo tempo em que tenta encontrar um novo caminho a seguir, continua se aceitando como é - e é aí que está o segredo da simpatia de Clay. Seu bando de amigos é um grupo de excêntricos geniais, cada um com suas próprias estranhices. Nenhum personagem é profundamente desenvolvido, mas todos são apresentados de maneira bastante simpática. Destaque para o senhor Penumbra e seus seguidores esquisitos e cativantes.
Em relação à parte técnica da edição, confesso que não gostei muito da tradução. Ficou decalcada demais no inglês. Há inclusive algumas expressões idiomáticas que foram traduzidas literalmente, ao invés de serem substituídas por equivalentes na língua portuguesa; soa artificial. Também não gostei da escolha do "Mr.", ao invés do nosso bom e velho "senhor" (o trocadilho não foi intencional, rss). Penumbra não é um mago, um ilusionista ou qualquer outra coisa que pudesse justificar o uso do "Mr."; ele é apenas um senhor idoso, ponto. Eu sei que não é o tradutor que costuma escolher o título de um livro (e, consequentemente, os termos associados a ele), mas isso não muda o fato de que a manutenção desse termo deixou o texto menos natural. O que merece elogios aqui é a revisão: não sei se ela se deve a um tradutor cuidadoso ou a um bom revisor, mas está impecável. Não encontrei nenhum errinho, nem de português nem de digitação. E levando em conta a quantidade de textos mal revisados que andam sendo publicados por aí, isso é quase um milagre. Ponto positivo para a editora.
Concluindo: como o próprio epílogo diz, "A Livraria 24 horas do Mr. Penumbra" provavelmente não é um livro que você lembrará por muito tempo, ou que marcará sua vida. Mesmo assim, não deixa de ser uma leitura agradável e divertida. Uma ótima pedida para quem quer passar o tempo sem usar muito a cabeça.
Nota: 3,5