Julia G 23/09/2015Uma questão de confiançaUma questão de confiança, de Louise Millar, estava na minha estante há um bom tempo. Como sempre acontece quando temos livros demais para ler, alguns ficam para depois, e eu só fui retirar este livro da estante quando elaborei minha TBR para a Maratona Literária de Inverno. Daquela lista, substituí quase todos os livros por outros, mas fico feliz de não ter feito isso neste caso.
A escrita de Louise Millar propriamente não tem nada de especial. A linguagem utilizada é bastante simples, fluida, não rebuscada; mas é a construção textual que traz destaque à trama. Os capítulos são curtos, de não mais que seis páginas, e intercalam os pontos de vista de Callie, em primeira pessoa, e de Suzy e Debs, em terceira. Desde o início, sabemos que as três personagens têm segredos, que uma dessas mulheres esconde algo sombrio, mas não se sabe qual, mesmo no caso de Callie, que interrompe seus pensamentos antes de se aprofundar naquilo que esconde.
"Nossa amizade não é uma escolha, mas uma carência. A estrangeira americana em Londres e a mãe solitária: empatadas. Está errado apoiar-me tanto nela sem ser sincera sobre quem sou de fato, deixando que a verdade fique escondida em algum canto escuro, como um espírito maligno, à espera. Entretanto, sigo em frente porque preciso dela. Não consigo sobreviver sem ela. Ainda não."
Tal dinâmica torna a leitura sufocante, pois leva o leitor a querer saber as consequências de cada ação - que nem mesmo sabemos quais são, às vezes. Existe um ar de mistério, algumas coisas não ditas, segredos e perigos que se atrelam mais ao psicológico do leitor do que aos acontecimentos da obra. Muitas vezes, durante a leitura, me flagrei espiando os capítulos seguintes para descobrir o que estava por vir.
A autora usa de um jogo de palavras que logra o leitor. Não seria difícil imaginar o que acontece na obra, mas a forma como a autora constrói sua trama nos leva a acreditar em outras implicações. Millar solta algumas informações que nos fazem acreditar quererem dizer uma coisa, para mais tarde mostrar que significavam outra. E, no final do livro, quando o desfecho parece surpreendentemente absurdo, você percebe que as pistas estavam o tempo todo ali, espalhadas desde o começo do livro.
"Londres deveria ter sido um novo começo. Um lugar para ser uma pessoa normal, finalmente, com uma família normal e amigos normais, longe dos mentirosos, traidores, aproveitadores e dos demônios de casa. No entanto, parece que aqui também existem mentirosos e traidores"
Uma questão de confiança foi uma leitura bastante surpreendente, porque desconstruiu todos os conceitos que o próprio livro deu. Muitos leitores parecem ter tido dificuldade até engrenar a leitura, já que os primeiros capítulos apenas narravam o cotidiano das três mulheres que tinham papel fundamental na história, mas isso não aconteceu comigo. Foi fantástico não saber o que esperar, e ainda mais fantástico encontrar algo que eu definitivamente não esperava.
Talvez não seja o tipo de leitura que agrade a todos, mas para quem quer um suspense diferente, sem compromisso, a obra pode ser uma ótima companhia.
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