gleicepcouto 09/01/2013Thriller digno de rei, mas com final de bobo da cortehttp://murmuriospessoais.com/?p=5498
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Sob A Redoma (Suma de Letras) é o último livro do autor norte-americano Stephen King, que já lançou mais de 40 títulos e vendeu mais de 350 milhões de cópias de livros ao redor do mundo. Bastante conhecido, diversos de seus livros ganharam prêmios, assim como foram adaptados para o cinema. Além disso, King foi nomeado Grande Mestre dos escritores de Mistério dos Estados Unidos.
Nesse lançamento, o autor nos apresenta Chester’s Mill, cidade pequena e pacata do Maine. Um dia, sem mais nem menos, uma espécie de redoma projeta-se sobre ela, a deixando separada do resto do mundo. Esse evento provoca acidentes e famílias são separadas.
Do lado de dentro da redoma, os presentes ficam ainda mais aflitos. Ninguém entende o que está acontecendo. Afinal, de onde veio esse campo de força invisível? Até quando irá durar? Do que realmente se trata? Mal eles sabiam que essas seriam as menores de suas preocupações... Diante de um caso de isolamento, a natureza humana é capaz de tudo. Sentimentos são revelados e podem expor os lados mais sombrios das pessoas. É isso o que acontece, por exemplo, com Big Jim Rennie, político que fará de tudo para continuar no poder.
Do lado oposto a ele, encontramos Barbara (Barbie), um veterano de guerra que, junto com alguns moradores (o enfermeiro Rusty, a jornalista Julia e outros) tentam manter a situação menos trágica.
Com a cidade dividida, conflitos surgirão, em uma luta por vezes sangrenta e injusta, onde a sobrevivência será o objetivo final – muitas vezes não importando os meios para alcançá-la.
"Um carro vinha da direção de Motton, a próxima cidade ao sul. Uma picape das menores, e vindo rápido. Alguém ouvira o acidente ou vira o relâmpago. Ajuda. Graças a Deus, ajuda. Cruzando a linha branca, mantendo-se bem longe do fogo que ainda corria o céu com aquele jeito esquisito de água na vidraça, Barbie balançou os braços acima da cabeça, cruzando-os em grandes X. O motorista buzinou uma vez em resposta, depois pisou com força no freio, largando mais de 10 metros de borracha. Saiu do carro quase antes de o seu pequeno Toyota verde parar (...). Correu para o lado da estrada, querendo contornar a principal cachoeira de fogo.
- O que aconteceu? - gritou. - Que merda foi...
Então bateu em alguma coisa. Com força. Não havia nada lá, mas Barbie viu o nariz do cara se dobrar de lado quando quebrou. O homem ricocheteou do nada, sangrando pela boca, pelo nariz e pela testa. Caiu de costas e depois conseguiu se sentar. Encarou Barbie com olhos perplexos e indagadores enquanto o sangue do nariz e da boca cascateava pela frente da camisa, e Barbie o encarou de volta."
Pouquíssimos escritores conseguiriam escrever uma história de quase mil páginas sem ser confusa ou enfadonha. Posso dizer que Stephen King está no rol desse tipo de escritor. O que ele fez com Sob A Redoma é quase digno de Guiness Book.
Fatos novos surgem a todo momento, não deixando a narrativa perder o ritmo em nenhum minuto. E quando eu digo nenhum, é nenhum mesmo. Há sempre algum acontecimento interessante (e importante para a trama) a ser descrito. O trunfo é a forma como King faz isso: direto, objetivo, sem firulas. Ele escreve o que tem que escrever e ponto. Não perde muito tempo divagando sobre o fato. Quer matar um personagem? Vai lá e mata (e das maneiras mais criativas). Pronto, fim de papo. (Quase o escuto dizer: Neeeeeeext!) Você nem consegue sentir luto pelo personagem que faleceu, pois, logo em seguida, outra coisa que requer atenção acontece e assim por diante.
Pode até parecer um livro cansativo, em se tratando de muitas informações, mas não é. Apesar da agilidade, ele sabe dosar as informações, sabe quando deve liberá-las ao leitor e o mecanismo para fazer com que o leitor memorize aquilo. Exemplo: há milhares de personagens, certo? Mas ele consegue fazer com que o leitor conheça cada um, mas aos poucos, por meio de diversas situações que ele expõe. Não é algo brutal, tipo: esse personagem é assim, assim, assim. Ele dá ao leitor a oportunidade de, por si só, desvendar a natureza daquele personagem. Talento para poucos, novamente.
(Para os esquecidos de plantão - eu! - há uma cola com os nomes dos personagens logo no inicio do livro. Há também um mapa da cidade para os perdidos geograficamente - eu, de novo!)
O modo como o autor esmiúça a natureza humana diante de uma situação limite é muito pertinente. O leitor acompanha as diversas consequências que podem ocorrer ao ser humano quando ele é separado da sociedade em um âmbito maior. Intolerância, falta de ética, desigualdade e perda da noção do certo e errado são algumas das questões abordadas pelo autor, que nos faz refletir sobre a importância de se viver harmonicamente e amparado em normas sociais razoáveis.
Tio King mostra ainda estar em ótima forma quando o assunto é mistério e a dicotomia anormalidade/normalidade. Ele começa Sob A Redoma como quem não quer nada, mas, no decorrer da trama, ela vai ganhando proporções gigantescas e quando o leitor se dá conta, passa a acreditar de que a tal redoma pode ser qualquer coisa - ou absolutamente nada (!). Esse suspense do qual ele sabiamente abre mão é levado até às últimas páginas e então...
Vem a escorregada do livro. A explicação para a redoma e todo o desfecho decorrente disso ficou muito aquém da magnitude da história. Quando o leitor percebe que o ápice do livro está se aproximando e se prepara para gritar um “Uau!”, ele se decepciona ao verificar que apenas saiu um muxoxo “Hum...”
É incontestável a qualidade ainda notória de Stephen King, mas até mesmo os melhores correm risco de derrapar aqui e ali. E não é um escorregão desse que denigre todo o trabalho fenomenal que ele fez no decorrer de Sob A Redoma. Por outro lado, é aquilo: a expectativa em torno de King é enorme, então as cobranças também. A premissa e o desenvolvimento da obra são dignos de rei, mas o final, de bobo da corte.